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Imagem: O trigo transgênico é rejeitado pela indústria de alimentos, que teme reação do consumidor e perda de mercado – Lisandra Lunardi/Embrapa

O pão nosso de cada dia ameaça gerações futuras: os efeitos de agrotóxicos e do trigo transgênico. Entrevista especial com Rubens Nodari

Agrônomo aponta que doença celíaca, autismo e outros males neurológicos e genéticos podem estar associados a má qualidade do grão consumido no Brasil

Imagem: O trigo transgênico é rejeitado pela indústria de alimentos, que teme reação do consumidor e perda de mercado – Lisandra Lunardi/Embrapa

Por: João Vitor Santos, em IHU

Vivemos em tempos tão difíceis que quem consegue garantir o pão de cada dia está tranquilo. Correto? Errado, pois o fato de assegurar o que comer não pode mais ser visto como fator de tranquilidade. Um exemplo é o trigo, grão cultivado há milênios pela humanidade, mas que agora, em função das alterações nas formas de cultivo, pode também apresentar riscos à saúde. O agrônomo e professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Rubens Onofre Nodari observa que desde que se passou a usar alta tecnologia para produção, o trigo tem sido afetado especialmente pelos efeitos de agrotóxicos. “As empresas oferecem tecnologias; antigamente elas vendiam um produto, mas hoje vendem tecnologia. Mas o que são essas tecnologias? A primeira delas são os agrotóxicos”, observa.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Nodari explica que há pelo menos três momentos em que os agrotóxicos têm entrado na lavoura trigueira. O primeiro é na própria produção, cultivo da planta até a maturação do grão. Depois, na colheita. “Os agricultores insistem em fazer essa dessecação para facilitar a colheita mecânica. Assim, máquinas agrícolas também exigem que os agricultores tomem certas medidas e uma delas é usar novamente agrotóxicos na hora da colheita”, explica. E, por fim, a ameaça do trigo transgênico que, além de ser geneticamente alterado, exige consumo de mais agrotóxicos.

Ele explica que a Argentina, principal exportador de trigo para o Brasil, está desenvolvendo sementes transgênicas especialmente para vender os grãos ao Brasil. E, um detalhe: para vender só para o Brasil, pois lá não devem consumir. “Agora, analise: como vou produzir um produto num país desde que outro país o importe? Por que os argentinos não querem comer esse trigo? Por que quem desenvolveu essa tecnologia não quer vender o trigo na Argentina? Será que é porque não tem aceitação? Será que é porque esse trigo não vai fazer bem para as pessoas?”, questiona.

Toda essa inquietação do professor não é à toa. Pesquisas apontam que os efeitos dos agrotóxicos que chegam aos humanos, via trigo, por exemplo, têm causado muito mais doenças do que se imagina. Além do câncer, há possibilidade de que o grande número de pessoas com doença celíaca esteja associado a isso. “A pergunta é: será que todos os casos de doença celíaca são causados, de fato, pelo glúten, ou pelo resíduo de herbicida que tem na comida? Os sintomas são os mesmos e é muito difícil separar os dois”, aponta. Ainda há relações com doenças como Parkinson e Alzheimer e, recentemente, até a incidência de crianças com autismo. Mães grávidas ou que amamentam seus filhos ainda podem estar levando a eles agrotóxicos que causam desde infertilidade até câncer infantil. “Estamos expondo os não nascidos a esses produtos e isso contraria a nossa Constituição. Não podemos prejudicar a próxima geração; é antiético. Não sei se não seria um crime o que estamos fazendo, de expor os não nascidos a resíduos desses produtos”, dispara o professor.

Rubens Onofre Nodari possui graduação em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo, mestrado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutorado em Genética pela University of California at Davis, nos Estados Unidos. É professor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. No curso de Agronomia leciona disciplinas de Melhoramento de Plantas e Biotecnologia. No Programa de Pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais ministra as disciplinas Conservação de Recursos Genéticos, Análise da Diversidade Genética e Genética de Populações.

Confira a entrevista.

IHU – O senhor tem apontado que novas técnicas agrícolas e genéticas têm ameaçado a sadia qualidade do trigo. Que ameaças são essas?

Rubens Onofre Nodari – Nos tempos atuais, se apregoa muito a tecnologia. As empresas oferecem tecnologias; antigamente elas vendiam um produto, mas hoje vendem tecnologia. Mas o que são essas tecnologias? A primeira delas são os agrotóxicos. Se formos à literatura mais específica dessas áreas de organismos mantidos pelas empresas, veremos que começam a divulgar ditas soluções para determinadas doenças, mas, na verdade, são os agrotóxicos. Esse é um primeiro ponto.

Nós temos hoje no Brasil 108 ingredientes ativos de agrotóxicos que são autorizados para o uso em trigo. Destes, 39, ou seja, cerca de 36% já são proibidos em outros países. Ora, por que são proibidos em outros países? Porque definitivamente causam danos à saúde humana. Isso já é um primeiro impacto sobre o quanto o trigo é saudável. Estamos usando produtos que já foram usados em outros países exatamente pela razão de ele estar associado a várias doenças em animais e também chegando a seres humanos.

Dessecação à base de agrotóxicos
Um segundo ponto é que com a mecanização os agricultores resolveram fazer a dessecação: a aplicação de um herbicida para matar aquelas plantas que não estão maduras – por questões ambientais é comum uma parte da lavoura ficar mais madura do que outras. Sempre é desparelho o grau de maturação, mas nunca é nada assim tão exorbitante; de qualquer maneira, os agricultores insistem em fazer essa dessecação para facilitar a colheita mecânica. Ou seja, colheita mecânica é uma tecnologia, mas para usá-la, tem que estar tudo maduro porque dá problemas na máquina – ‘embucha’ a máquina, como se diz. Assim, máquinas agrícolas também exigem que os agricultores tomem certas medidas e uma delas é usar novamente agrotóxicos na hora da colheita.

Ocorre que temos agrotóxicos que são considerados de contato e não circulam dentro da planta, mas temos outros agrotóxicos que circulam e que são transportados e atingem todas as células das plantas, e isso acaba chegando ao grão. Com isso, o grão acaba sendo colhido com uma carga adicional de resíduo de agrotóxico.

Trigo transgênico da Argentina
Há ainda outro fator: a Argentina desenvolveu um trigo transgênico com a condição de que fosse aprovado naquele país desde que o produto seja exportado para o Brasil. Agora, analise: como vou produzir um produto num país desde que outro país o importe? Por que os argentinos não querem comer esse trigo? Por que quem desenvolveu essa tecnologia não quer vender o trigo na Argentina? Será que é porque não tem aceitação? Será que é porque esse trigo não vai fazer bem para as pessoas? São respostas que ainda não sabemos. Não sabemos por que os argentinos querem cultivar o trigo transgênico desde que o Brasil o importe.

Aqueles que desenvolveram o trigo na Argentina entraram com processo na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio do Brasil para que esse trigo fosse aprovado e esse processo está em tramitação. A CTNBio tem quatro subcomissões e duas delas já aprovaram o trigo transgênico, que é resistente a um herbicida à base de glufosinato de amônio. Esse herbicida é genotóxico, causa anomalias em girinos, ou seja, ambientalmente ele já tem uma ficha que condeno. Tanto é que ele nem tem mais seu uso autorizado na Europa. Se o Brasil autorizar o consumo desse trigo transgênico, nós vamos ter resíduos de agrotóxicos que são muito tóxicos, não só aqueles à base de glifosato, mas também aqueles à base de glufosinato de amônio. Temos uma tecnologia que está na iminência de ser aprovada pela CTNBio e o Brasil passaria a importar trigo transgênico.

O Brasil já importa da Argentina mais ou menos 80% do trigo de que precisa. Ou seja, o Brasil produz cerca da metade do seu consumo, em torno de cinco a seis milhões de toneladas, e importa o restante. Caso o Brasil aprove o consumo desse trigo transgênico, vamos ter um trigo que será produzido na Argentina, provavelmente com resíduos de agrotóxicos na dessecação ou em outra fase da planta, e vamos ter, além daqueles outros 108 resíduos que são usados contra pragas e doenças, mais esses herbicidas. Então, a qualidade da farinha e do grão para a saúde humana vai piorar.

Teoricamente, até então, não poderíamos ter resíduos de herbicidas no grão – são autorizados resíduos de inseticidas, de fungicidas –, mas agora teremos resíduos de outros produtos que anteriormente não eram autorizados. Isso mostra que as tecnologias modernas são uma ameaça à qualidade de um grão que estamos usando há mais de 15 mil anos. No pão, nos biscoitos e nas massas, haverá resíduos de agrotóxicos. Ou seja, essas tecnologias estão prejudicando a qualidade do grão do trigo.

IHU – Quais os tipos de agrotóxicos mais usados na produção e quais seus efeitos na saúde humana?

Rubens Onofre Nodari – No trigo, utilizam-se basicamente inseticidas e fungicidas, por causa dos insetos e pulgões. O trigo também tem muitas doenças, especialmente em regiões onde tem umidade e, nesses casos, são aplicados fungicidas. Na maturação, como falei, são utilizados os herbicidas para a dessecação, que não deveriam ser utilizados. Esses produtos usados no trigo também são utilizados em outros cultivos.

Efeitos na saúde humana
Há uma série de doenças que podem ser causadas em humanos e é importante mencionar que existem dois tipos de efeitos em humanos e em animais. Um, são os efeitos agudos, gerados por doses muito grandes, que podem matar as pessoas – mas esse é o menor número de casos que verificamos na espécie humana, porque a dose para matar um indivíduo deve ser muito alta. Então a questão não é exatamente em relação aos danos agudos, mas aos danos crônicos, que são aqueles que vão ocorrendo com o passar do tempo, após uma exposição contínua a pequenas doses.

Na literatura científica, mais de 300 artigos ligam comprovadamente doenças com esses produtos. Câncer é um tipo de dano que esses produtos causam comprovadamente. Então, o primeiro grupo de doenças são os diferentes tipos de câncer. O segundo grupo de doenças que emergiu mais nos últimos tempos está relacionado aos sintomas do efeito do glúten, que seria a doença celíaca. Certos herbicidas à base de glifosato provocam nas pessoas o glúten. A pergunta é: será que todos os casos de doença celíaca são causados, de fato, pelo glúten, ou pelo resíduo de herbicida que tem na comida? Os sintomas são os mesmos e é muito difícil separar os dois.

O terceiro grupo de doença dos tempos modernos diz respeito àquelas relacionadas à inflamação dos neurônios, inclusive as neurodegenerativas. Inflamações são causadas principalmente pelos resíduos de agrotóxicos nas comidas de uma forma indireta. Por exemplo, os adultos têm cerca de um ou dois quilos de outras espécies que vivem no nosso sistema gastrintestinal: vírus, bactérias, pequenos organismos unicelulares. Se nos alimentamos de uma dieta diversa e sadia, sem resíduos de agrotóxicos, o microbioma vai ser muito diverso e funcional. Se nos alimentamos com uma dieta que tem muitos resíduos de agrotóxicos, eles podem beneficiar um grupo de espécies menos diverso e funcional.

O que isso tem a ver com as doenças inflamatórias? Tem a ver que o nosso sistema imunológico é também modulado pelo microbioma do sistema gastrintestinal. Então, as pessoas não respondem bem a uma infecção ou inflamação nos neurônios. Por isso que doenças classificadas hoje como depressão ou neurodegenerativas estão muito ligadas à falta de imunidade das pessoas, a qual é decorrente, por sua vez, do mau funcionamento do microbioma, que é danificado pelos resíduos de agrotóxicos. Portanto, trata-se de uma cadeia.

Autismo
Gostaria de falar de outra doença, o autismo. Tem um centro de estudos na Universidade da Califórnia que mostra a ligação de alguns agrotóxicos, principalmente os herbicidas à base de glifosato, com a frequência de crianças autistas. Os EUA estimam que, em breve, 1/3 das crianças vão nascer autistas. No Brasil, não temos uma preocupação muito clara e definida sobre a ligação do uso de agrotóxicos e seus resíduos na comida com a proporção de crianças autistas, que é crescente.

A cada ano, há evidências mais fortes de que doenças como Alzheimer e mal de Parkinson também podem ser facilitadas por resíduos de agrotóxicos, que acabam acelerando a ocorrência dessas doenças em humanos. Eles podem não ser a causa principal, mas contribuem para o quadro ser mais rápido e mais grave.

Essas são doenças que atingem diferentes faixas etárias e de diferentes maneiras: não é que atingem somente um grupo de risco; ao contrário, atingem pessoas que não têm risco nenhum. Os principais danos começam antes de uma criança nascer, porque os ativos de agrotóxicos passam pelo cordão umbilical e, inclusive, as proteínas de genes transgênicos inseridas no milho e na soja produzem toxinas que passam pelo cordão umbilical. O ingrediente ativo glifosato, que é a base dos herbicidas, também passa pelo cordão umbilical. Assim, uma mulher que está grávida e se alimenta continuamente de alimentos que têm resíduos de agrotóxicos, independentemente da dose, terá afetado o desenvolvimento do feto.

Efeitos crônicos
Esses produtos que têm a função de desregulador endócrino vão afetar genes na hora errada: por exemplo, nasce uma menina que em vinte anos não poderá ter filhos, ou nasce uma criança autista. Ou seja, estamos expondo os não nascidos a esses produtos e isso contraria a nossa Constituição. Não podemos prejudicar a próxima geração; é antiético. Não sei se não seria um crime o que estamos fazendo, de expor os não nascidos a resíduos desses produtos.

Como se não bastasse isso, através do leite materno, se a mãe se alimenta com produtos de resíduos de agrotóxicos, a criança continuará sendo exposta a eles. Isso caracteriza os efeitos crônicos, ou seja, a criança vai ser continuamente exposta a resíduos, até um ponto em que hoje nós temos hospitais para tratar crianças com câncer, que era uma doença que dava em pessoas com mais idade. Há 50 anos, antes do uso crescente de agrotóxicos, não víamos pessoas de meia idade ou crianças com câncer na frequência que existe hoje. Claro que existiam também, mas a frequência de crianças e pessoas de meia idade com câncer aumentou muito nos últimos 50 anos, que é o período em que passamos a usar de forma massiva esses produtos.

IHU – Qual a origem e como está a qualidade do trigo consumido no Brasil? E como o país está em termos de produção do grão?

Rubens Onofre Nodari – Como falei, produzimos cerca de 50% do que consumimos. O restante, aproximadamente 80% do trigo exportado, vem da Argentina, mas também de outros países com que o Brasil tem relação, como Canadá e EUA. Quase todos os grãos de trigo produzidos no Brasil, exceto na cadeia orgânica, têm resíduos de agrotóxicos.

O que seriam parâmetros de qualidade? Aparência, aroma, composição química, firmeza etc. Mas outro parâmetro de qualidade é a segurança que esse produto apresenta. Associamos a segurança de um alimento com base em dois focos: primeiro, a presença ou não de microrganismos, microtoxinas e resíduos de agrotóxicos. No quesito resíduo de agrotóxicos, não dá para considerar que temos uma alta qualidade, embora possa ter uma qualidade legal, uma vez que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa determina padrões máximos de resíduos de agrotóxicos, como se uma dose pequena não causasse dano em algumas pessoas – esse é outro equívoco.

Temos no país uma produção de trigo com o uso de agrotóxicos que são legalmente autorizados, do mesmo modo que é permitido legalmente ter uma certa quantidade de resíduos de agrotóxicos nos grãos. Mas os estudos recentes mostram que certas doenças independem da dose [de resíduos]. Ou seja, doses pequenas, mas continuadas, podem causar determinadas doenças. Então, se formos considerar a qualidade, os grãos não deveriam ter resíduos de agrotóxicos, porque aí, sim, teríamos uma boa qualidade do produto.

Qualidade do trigo brasileiro
Agora, a qualidade do trigo produzido no Brasil, em termos de composição, como também a qualidade da farinha para a panificação, é inferior à qualidade do trigo produzido em regiões mais frias. O trigo produzido na Argentina e no Canadá certamente tem uma melhor qualidade que o nosso. Vamos supor que ambos não tivessem resíduos químicos; mesmo assim, a qualidade do trigo e a qualidade da panificação são melhores em climas mais frios. Por isso que o Brasil importa e mistura o trigo. É por essa razão que temos um pão com sabor e qualidade.

O Brasil tem um programa da Anvisa que faz a detecção de resíduos de agrotóxicos em alimentos, chamado Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA. A Anvisa analisa 15 ou 20 produtos por ano – hoje eles não fazem mais isso todos os anos; antes era feito – para verificar a presença de pouco mais de cem ingredientes ativos e ver a quantidade de resíduos desses ingredientes nos alimentos amostrados. Ocorre que a Anvisa só divulga a percentagem de amostras que estão fora da conformidade legal, quando o resíduo de um inseticida, herbicida ou fungicida está acima do limite permitido ou não está autorizado o uso para aquela espécie. Por exemplo, no trigo há autorização para utilizar 108 ingredientes ativos, mas nem todos são registrados no país, então se numa amostra de trigo for detectado que há resíduo de um produto que não está autorizado ou está acima da dose permitida, esse alimento estará fora da conformidade legal. Mas nós, como cidadãos, não sabemos qual é o percentual de amostras que tem resíduos químicos, porque se existem resíduos químicos dentro das normas legais, ele é considerado padrão.

Portanto, na verdade, eu deveria dizer que não sei qual é a qualidade do trigo que produzimos, porque não é divulgado quanto tem de resíduo em cada amostra de trigo. Aí vem a perversidade maior: quando a Anvisa divulga só determinados dados, como, por exemplo, que 20% dos morangos não estão em conformidade com a lei, quem leva a culpa é o agricultor. Esse programa tira o foco de sabermos, de fato, a qualidade, e quem é o responsável, que são as empresas que produzem esses produtos. Essa norma e esse programa visam indiretamente beneficiar as indústrias, porque a culpa fica para o agricultor, por ter usado uma dose maior do que a devida ou por ter utilizado um produto não permitido, como se o produto em si não causasse algum dano.

IHU – Então, como a maioria do trigo vem da Argentina, dá para ver a preocupação em torno da liberação desse outro trigo transgênico.

Rubens Onofre Nodari – Exatamente. Existem três setores industriais no Brasil que são agrupados diferentemente em associações, como a Associação Brasileira da Indústria do Trigo – Abitrigo. Publicamente, esses grupos de empresários têm dito que vão começar a importar trigo de outros países. O que pode ocorrer se passarmos a importar trigo de mais longe? Pode ser que o trigo fique ainda mais caro. Não quer dizer que [esse trigo que poderá vir de outros países] não tenha resíduo de agrotóxico, mas não será trigo transgênico.

Já foram desenvolvidas outras variedades de trigo transgênico experimentalmente nos EUA e no Canadá, entretanto os agricultores se negaram a usá-lo. Por isso, nesses países, o trigo transgênico não existe comercialmente. Então, se o setor moageiro importar de outros países, e o frete ficar mais caro, pode ser que o trigo fique mais caro, mas isso vai depender dos valores do mercado. Mas não sei se eles não vão sofrer pressão para importar trigo da Argentina.

IHU – Quanto representa a cadeia orgânica do trigo no Brasil hoje?

Rubens Onofre Nodari – Não tenho esses números porque tem muito trigo produzido e vendido localmente nas feiras, nos mercados regionais.

IHU – Como fazer frente a esses riscos e estimular culturas mais orgânicas de trigo?

Rubens Onofre Nodari – O Brasil importa bastante trigo orgânico da Europa. Quando comecei a me dedicar a esses temas, 30 anos atrás, migrei as minhas fontes de alimentos: passei a comprar em feiras ou em lojas de produtos agroecológicos ou orgânicos e, majoritariamente, consumo produtos sem agrotóxico, sempre que tenho essa opção.

A pessoa que quer proteger a sua saúde vai ter que mudar de hábitos: comprar alimentos sem resíduos de agrotóxicos. Aí vem o dilema por causa do preço. Na verdade, hoje os produtos sem agrotóxicos não são muito mais caros do que os outros. Pode ser que um ou outro produto tenha um preço diferente. Mas não posso dizer que um produto orgânico é mais caro do que um não orgânico, porque eles são produtos diferentes. É a mesma coisa que ter um carro com roda de liga leve e um som diferenciado; ele vai custar mais caro em relação a outro carro. Assim como uma TV com determinadas propriedades. Agora, quanto custa a tua saúde? Pense no caso de um casal novo, que vai ter filhos. Certamente, uma mulher que se alimenta melhor, sem alimentos que contenham resíduos de agrotóxicos, vai amamentar melhor, seu filho vai nascer com uma saúde melhor.

Precisamos mudar nossa alimentação ou temos que exigir que os rótulos dos produtos informem qual é a porcentagem de resíduos de agrotóxicos que cada alimento contém. Se essas informações aparecerem nos rótulos, a cadeia comercial vai obrigar o produtor orgânico a rotular e isso tem um custo. A cadeia comercial obriga o produtor rural a fazer testes, e isso tem custo. Agora, com o produto que tem agrotóxico não é preciso fazer nada: nem informar a quantidade de resíduos nem que o produto pode causar câncer.

Então, duas medidas seriam importantes. Uma, aumentar o consumo de produtos orgânicos na medida em que a população tenha recursos para isso. De outra parte, o governo poderia adotar diversas medidas: ao invés de a merenda escolar ser com produtos que tenham resíduo de agrotóxicos, poderia tratar as crianças com comidas saudáveis. Isso seria uma economia para o próprio governo posteriormente, em termos de gastos com o Sistema Único de Saúde – SUS, porque essas crianças serão mais sadias e terão menos doenças. O governo também poderia fiscalizar e fazer mais análises desses produtos, condenando lotes de produtos que têm resíduos acima de determinada quantidade, porque do contrário vai expor as pessoas a um risco maior.

Cada consumidor tem que se conscientizar, buscar a informação correta e comprar produtos sem resíduos. Também temos políticas públicas por parte do governo que poderiam amenizar a exposição das pessoas a esses produtos. Se o governo adotasse essas políticas, aumentaria o número de agricultores que poderiam produzir orgânicos. Porque hoje, eles vão produzir e vender para quem, se a sociedade está desinformada e o consumidor não sabe as diferenças e as consequências de consumir esses alimentos? Tem soluções. Hoje 80% dos produtos produzidos na Hungria são orgânicos. No Peru, 90%. Tem como produzir alimentos orgânicos.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Rubens Onofre Nodari – Gostaria de reforçar que os consumidores comecem a discriminar e a entender as mensagens das indústrias, dos agrônomos e dos técnicos acerca de uma tecnologia que vai produzir mais. Tem que ver o que essa tecnologia vai causar de dano para a nossa saúde e para o meio ambiente, e começar a apostar em alimentos que não prejudiquem nem o meio ambiente nem a nossa saúde.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/612499-o-pao-nosso-de-cada-dia-ameaca-geracoes-futuras-os-efeitos-de-agrotoxicos-e-do-trigo-transgenico-entrevista-especial-com-rubens-nodari


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