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PALMEIRA JUÇARA:A EXPLORAÇÃO DOS FRUTOS É MAIS ECOLÓGICA E RENTÁVEL DO QUE A DO PALMITO

 

Uma prova de que, sabendo conservar, a natureza sempre dará bons frutos está bem perto de nós. Da palmeira juçara (Euterpe edulis Martius), presente em vários pontos do país e em Minas Gerais, só se explora o palmito branco comestível. No entanto, os seus frutos podem ser muito mais rentáveis, além de não implicar na morte da palmeira, que leva de cinco a oito anos para chegar ao ponto de corte. Neste artigo, um pesquisador e uma doutoranda da UFV explicam as vantagens de se preservar a palmeira

O Brasil é um dos países com maior diversidade biológica do planeta. Por isso, lhe é atribuído até o termo de megabiodiversidade. Ou seja, segundo a Conservação Internacional, essa palavra designa os países com grande biodiversidade, nos quais se leva em consideração o número de espécies endêmicas – aquelas que são exclusivas da região (não disponíveis em outros locais).

No Brasil, estão presentes alguns dos biomas com a maior variedade de seres vivos do planeta, como a Amazônia, a Mata Atlântica, a Caatinga, o Cerrado e o Pantanal. Apesar do importante patrimônio genético, esses ambientes naturais sofrem sérias ameaças, principalmente devido às transformações decorrentes da atividade humana. Muitas áreas mantêm menos de 30% do que existia inicialmente, como a Mata Atlântica, que atualmente conserva 7,3% de sua extensão original; e o cerrado, que tem apenas 20% de sua área ainda preservada.

Juntamente com o cerrado brasileiro, a Mata Atlântica está na lista dos 34 ambientes do planeta considerados hotspots (áreas quentes), devido à sua alta biodiversidade associada a alto grau de endemismo e alvo de intensa degradação ambiental. Entre os critérios para uma área ser considerada hotspot está o fato de ter pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e que tenha perdido mais de 3/4 de sua vegetação original.

Segundo levantamento da ONG SOS Mata Atlântica e do o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), atualmente, a Mata Atlântica está reduzida a 7,91% da área original, restando 102.012 km2. Esse número totaliza os fragmentos acima de 100 hectares, tendo como base as áreas remanescentes florestais de 16 dos 17 estados onde ocorre (AL, PE, SE, RN, CE, PB, BA, GO, MS, MG, ES, RJ, SP, PR, SC e RS).

De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo Populacional 2007, nessa extensa área de domínio da Mata Atlântica, vive atualmente 61% da população brasileira, correspondente a mais de 112 milhões de habitantes, em 3.222 municípios, o que corresponde a 58% dos existentes no Brasil.

Neste contexto, a busca por alternativas para o uso dos recursos vegetais presentes na Mata Atlântica torna-se um fator extremamente importante. O desenvolvimento de pesquisas de prospecção por produtos florestais não-madeireiros, como fármacos, cosméticos e alimentos, é uma estratégia para a construção de um modelo de exploração sustentável do bioma, aliado à geração de renda.

 

Conhecendo a palmeira juçara

Euterpe edulis Martius, conhecida popularmente como palmeira juçara, produz um palmito branco comestível, muito apreciado por seus consumidores. Esta palmeira pertence à família Arecaceae e é encontrada principalmente em áreas remanescentes de Mata Atlântica do Brasil, incluindo Minas Gerais.

Nas fotos, a palmeira e os seus frutos, de autoria da Equipe Projeto dos Muriquis – Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB).

A exploração acelerada e ilegal, sem o uso de um manejo adequado do seu palmito, contribui para que a E. edulis seja uma das espécies mais exploradas da Mata Atlântica. Esse fato, entre outros, fez com que a organização não-governamental Fundação Biodiversitas – responsável pela elaboração da “Lista da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção” – classificasse essa palmeira na categoria de “Perigo de Extinção”.

Um dos produtos pouco utilizados da palmeira juçara são os seus frutos. O despolpamento deles origina um produto semelhante à polpa do açaí, que é extraído de palmeiras do mesmo gênero botânico, a Euterpe oleracea Martius, conhecida como “açaí do Pará” e a Euterpe precatoria Martius, ou “açaí-de-terra-firme”, ambas presentes no Norte do Brasil.

E. edulis, a palmeira juçara, é uma planta tolerante à sombra e sua dispersão é feita por pássaros e pequenos mamíferos. Como a E. precatoria, ela tem apenas uma estirpe (caule) e não produz perfilhos, o que significa que a extração do palmito implica no sacrifício da planta. Suas folhas são pinadas, de 2 a 2,5 metros de comprimento, e destacam-se com facilidade da planta.

A inflorescência com ráquis mede cerca de 70 centímetros de comprimento, com muitas ráquilas contendo flores em tríade (uma flor feminina e duas masculinas). Os cachos são formados por vários frutos que medem de 10 a 15 milímetros de diâmetro. Os frutos apresentam uma coloração roxa escura e são caracterizados por uma única semente, que constitui cerca de 80% do volume total. São revestidos por uma camada fibrosa, uma fina cobertura oleosa e um mesocarpo comestível.

 

Por que o fruto é melhor

A exploração sustentável dos frutos da palmeira juçara pode ser uma atividade mais lucrativa do que a extração do seu palmito. O tolete de palmito (cerca de 70 cm) pode ser vendido por R$ 4,00. Já com a coleta dos frutos, o agricultor pode receber mais de R$ 26,00, com a venda da polpa e das sementes resultantes do processo de despolpa.

Após a obtenção da polpa, suas sementes podem ser utilizadas para o replantio, para a produção de artesanato e servem como adubo orgânico. Para o aproveitamento dos frutos da juçara, ao contrário do que ocorre com o palmito, não é necessário a derrubada da árvore, que leva de cinco a oito anos para chegar ao estágio de corte. A coleta dos frutos pode ser realizada ano após ano na mesma palmeira e representa uma alternativa para a conservação da espécie e para o equilíbrio da cadeia alimentar da Mata Atlântica, visto que vários animais se nutrem deles.

A polpa dos frutos da juçara, assim como a do açaí, pode se utilizada na forma de alimento: na tigela, sucos, sorvetes, cremes, iogurtes, molhos e licores. No Departamento de Bioquímica e de Biologia Molecular, da Universidade Federal de Viçosa, estão sendo realizadas pesquisas científicas visando à utilização de compostos presentes na polpa dos frutos de E. edulis para o desenvolvimento de cosméticos e biofármacos. A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica Agrícola, a nutricionista Luciana Marques Cardoso, sob a orientação dos professores João Paulo Viana Leite, José Humberto de Queiroz e Maria do Carmo Gouveia Peluzio, está investigando a composição química e bromatológica dos frutos de E. edulis e avaliando possíveis efeitos farmacológicos de extratos desenvolvidos e padronizados a partir dos frutos da palmeira em animais com alterações funcionais.

Segundo trabalho realizado no Centro de Pesquisa do Cacau – Cepec/Ceplac, no Sul da Bahia, a polpa de açaí da juçara apresentou composição nutricional compatível, e para alguns nutrientes até superior ao açaí do Norte do país. Com relação aos minerais, os teores de ferro, potássio e zinco da juçara foram 70,3%, 65,7% e 20,8%, respectivamente, superior ao encontrado no açaí do Norte. Já os valores de fósforo e cobre foram significativamente maiores no fruto do norte. Quanto aos teores de cálcio, magnésio e manganês, não foram encontradas diferenças significativas.

Importante mencionar que o aproveitamento do ferro de produtos vegetais, que inclui o açaí da juçara e o do norte, é menor comparado a de produtos de origem animal. O aproveitamento deste mineral de fontes vegetais pode ser aumentado na presença de alimentos fontes de vitamina C, como a laranja, limão, acerola, maracujá e cajá, dentre outros. A juçara também apresentou conteúdo de açúcares totais e gorduras maiores do que o açaí do norte e, consequentemente, maior valor energético. Porém, as gorduras presentes em ambos os produtos são as chamadas “gorduras boas”, compostas por ácidos graxos insaturados, que muitas vezes, podem ser capazes de reduzir o colesterol no sangue. Nesta mesma pesquisa, durante um teste de degustação, foi observado que os participantes acharam mais doce o suco com o açaí da juçara e o preferiram em relação ao outro.

A cor roxa escura dos frutos da E.edulis é devido à presença de antocianinas, que pertencem ao grupo de metabólitos secundários vegetais conhecidos como flavonóides. Possuem coloração que varia do vermelho intenso ao violeta e azul e são responsáveis pela variedade de cores em flores, folhas e frutos.

As antocianinas podem ser utilizadas como corantes naturais e apresentam grande potencial farmacológico, que incluem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, inibição da oxidação do colesterol LDL, diminuição dos riscos de doenças cardiovasculares e de câncer.

Na dieta humana, as principais fontes de antocianina são as frutas, como o açaí, ameixa, amora, cereja, figo, framboesa, uva, maçã, morango e acerola, e nos vegetais, são encontrados no repolho roxo, batata roxa, berinjela, etc.

A juçara apresenta quantidades superiores de antocianina comparada a outras frutas tropicais e de teores semelhantes e, às vezes, até superior ao açaí de palmeiras do Norte brasileiro. Uma análise do conteúdo de antocianina entre alguns frutos tropicais constatou os seguintes resultados: juçara (290mg de antocianina/100g de peso fresco), guajiru (104mg de antocianina/100g de peso fresco), jambolão (79mg de antocianina/100g de peso fresco) e acerola roxinha (23mg de antocianina/100g de peso fresco). Os valores de antocianina encontrados em trabalhos com o “açaí do Pará”, Euterpe oleracea, foram: 225 mg de antocianina/100g de fruto; 263mg de antocianina/100g de fruto e 282-303mg de antocianina/100g polpa.

Vale ressaltar que o teor de antocianina de um fruto pode ser afetado pelo seu grau de maturação no momento da colheita, por diferenças genéticas entre os cultivares, condições de estocagem, tempo entre a colheita e o despolpamento e condições de armazenamento da polpa, dentre outros fatores.

Portanto, a exploração dos frutos da palmeira juçara, utilizando um manejo sustentável adequado, pode ser mais lucrativa do que a comercialização do seu palmito. Além de contribuir para a preservação da espécie, o consumo da polpa dos frutos de juçara fornece grandes benefícios à saúde.

Fonte:Luciana Marques Cardoso, João Paulo Viana Leite  

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