Coluna “Histórias Naturais” faz um convite diferente: que tal registrar o quanto a natureza está presente em seu dia a dia? Prática pode envolver toda a família e trazer bem-estar à correria cotidiana.
Por Luciano Lima*, Terra da Gente, via G1
Diante da correria e do estresse do dia a dia você já pensou em parar para escrever um diário? Muita gente faz isso até de forma terapêutica para “desabafar” . Mas a coluna “Histórias Naturais” dessa semana dá um “destino” muito diferente e original para as páginas do seu dia a dia. Que tal escrever e registrar a natureza que existe perto de você ou que “cruza” o seu caminho? O biólogo Luciano Lima faz esse convite e dá dicas de como começar os registros:
O que você fez no primeiro dia de 2022? O meu 01/01/2022 foi mais ou menos assim:
01/01/2022
Minha primeira ave registrada no ano foi um bando de tiribas (Pyrrhura frontalis) que passou voando logo cedo sobre a casa em Paraty.
Subi para Cunha no final de tarde, chegando em casa pouco antes do pôr do sol. Acompanhei a passarinhada do final do dia do terraço de casa (ver lista no e-bird). A primeira surpresa do ano ficou por conta de um bandinho com cerca de 4 indivíduos do taperuçu-velho (Cypseloides senex), muito bem observados contra o fundo escuro das montanhas ao redor. Embora não tenham vocalizado, consegui identificar a espécie pela cor mais parda quando comparada ao taperuçu-preto (Cypseloides fumigatus) e pela fronte nitidamente clara. Também me pareceu com tamanho mais aproximado de um andorinhão-de-coleira (Streptoprocne zonaris), nitidamente maior que Cypseloides fumigatus. Foi meu primeiro registro da espécie para Cunha. O tempo estava quase que completamente nublado, com poucos buracos de céu azul entre as nuvens da direção sul.
Como faz menos de uma semana da virada do ano, mesmo sem se esforçar muito, você se lembrará como foi seu primeiro dia de 2022. Mas será que você viu alguma coisa interessante no dia 21/09/2021? Folheando meu diário de natureza, vejo aqui que nesta data foi meu primeiro registro de urutau, da temporada reprodutiva 2021/2022. Voltando mais um mês no tempo, meu diário me lembra que no dia 21/08/2021 vi os primeiros ipês-amarelos floridos ao longo da estrada para minha casa (“pintando de ouro a beira da rodovia”) e que também foi meu primeiro registro da temporada do andorinhão-do-temporal (três indivíduos percebidos inicialmente pela vocalização).
O ano está começando, ou seja, nosso planeta acaba de dar mais uma volta completa ao redor do Sol. O início de um novo ciclo é uma ótima inspiração para inaugurarmos novos hábitos e a dica de começo de ano do “Histórias Naturai”s para você é: escreva histórias naturais! Como? Mantendo um diário sobre a natureza ao se redor.
São muitas as razões para você manter um diário de natureza e elas vão muito além do ato de guardar boas memórias. “Tomar nota” é um excelente exercício para você aprender muito mais sobre o mundo natural. A simples disposição de escrever sobre a presença da natureza no seu dia a dia fará você estar mais atento a ela. Além disso, você também ficará mais interessado na identificação das espécies que cruzam o seu caminho, afinal você vai querer saber qual é aquela flor laranja maravilhosa que você encontrou na praça perto da sua casa para colocar no seu diário.
O hábito de registrar também te deixará muito mais conectado com as mudanças e acontecimentos na natureza, especialmente se você mora, está perto ou visita alguma área verde com frequência, como um sítio, praça ou até mesmo uma estrada de chão mais arborizada. Você ficará por dentro do período de floração e frutificação das plantas, presença de aves migratórias, entre outros ciclos naturais.
De acordo com pesquisadores e médicos do Medical Center da Universidade de Rochester, o hábito de manter um diário auxilia a controlar o estresse, ansiedade e até mesmo depressão. Já falamos muito aqui no Terra da Gente que o simples fato estar próximo da natureza faz muito bem para saúde, registrar seus momentos com a natureza em um diário é como maximizar esses benefícios.
Basta você estar atento que até mesmo parado no trânsito na Marginal Tietê você pode se encantar com uma família de capivaras e é bem possível que cavalgando em alguma delas esteja um suiriri-cavaleiro. Separe alguns minutos no final da tarde ou começo da noite e relaxe recordando e escrevendo sobre como a natureza esteve presente no seu dia. Faça do seu diário um momento de relaxamento, sente em um lugar confortável, faça um chá ou tome uma taça de vinho enquanto escreve.
O que anotar? Tudo o que chamar sua atenção. Características e impressões sobre lugares visitados, espécies ou fenômenos observados. A vegetação ao longo de um caminho no parque, o cheiro de uma determinada flor, um ninho de alguma ave, as cores de um inseto, tipos de nuvens presentes, um arco-íris… Alguns dias você terá conteúdo e sentirá vontade de escrever uma página inteira, outros uma linha, mas procure fazer do diário um hábito.
Embora uma busca rápida revele dezenas de aplicativos que você pode utilizar para manter um diário, pessoalmente eu prefiro escrever à mão. Seu diário pode também ser um momento para deixar um pouco de lado as telas. Você pode utilizar um caderno de anotações qualquer ou, como eu faço, usar uma agenda especificamente para esse fim. Mas os aplicativos sim, podem ser utilizados em conjunto com seu diário. Nas minhas anotações frequentemente faço referências ao meus registros no eBird e no iNaturalist. Aplicativos de gps podem ser úteis para descobrir o roteiro e a distância percorrida em uma determinada caminhada.
Desenhos, mapas, ou até mesmo folhas caídas e penas que você encontre pelo caminho podem enriquecer as páginas do seu diário. Se você tem crianças em casa, desenvolver o hábito de manter um diário de natureza em família pode ser extremamente educativo. Uma provocação constante para que as crianças prestem atenção na natureza ao longo do dia e uma chance para exercitar a criatividade através de desenhos sobre o que foi observado.
“Ano novo, vida nova” e que tal uma nova forma de se relacionar com a natureza ao seu redor. Vamos nessa?
*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente.
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