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Alegoria com Bolsonaro de arminha na mão, fósforo, árvores e passistas carbonizadas é crítica às queimadas da Amazônia no Carnaval de Colônia. Foto: DW

Como conquistas ambientais do Brasil estão ruindo sob Bolsonaro

No Dia Mundial do Meio Ambiente, país não tem o que comemorar. Políticas de preservação consolidadas ao longo de décadas não vêm resistindo aos ataques do governo Bolsonaro. Saiba quais são as principais áreas ameaçadas.

Alegoria com Bolsonaro de arminha na mão, fósforo, árvores e passistas carbonizadas é crítica às queimadas da Amazônia no Carnaval de Colônia. Foto: DW

Por Nádia Pontes, na DW

Outrora considerado uma potência ambiental, o Brasil sofre com desmonte de suas políticas de conservação desde a ascensão de Jair Bolsonaro. Neste Dia Internacional do Meio Ambiente (05/06), o país não tem o que comemorar: relatos invasões e violência em unidades de conservação e terras indígenas dominam os noticiários; alertas de desmatamento registrados via satélite mostram alta de 41% no mês de maio em relação ao mesmo período de 2020.

“Estamos indo na contramão de tudo o que foi construído pelo Brasil durante muitos anos. É muito difícil construir a solidez das politicas ambientais, preservar e implementar. Mas desmontar é muito rápido. E recuperar isso talvez seja um exercício hercúleo”, afirma Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Com a redemocratização, as últimas décadas foram marcadas pela criação e implementação de políticas ambientais no país que detém a maior floresta tropical do mundo e que, ao mesmo tempo, é um dos maiores produtores de commodities agrícolas.

“Todo o arcabouço ambiental foi criado pra valer após Constituição. Da Política Nacional de Recursos Hídricos ao licenciamento ambiental e Politica Nacional de Mudanças Climáticas”, diz Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas).

Especialistas e pesquisadores ouvidos pela DW Brasil são unânimes: o movimento agora é no sentido contrário. “É a primeira vez que temos um período em que o governo age deliberadamente contra a agenda ambiental. Essa que essa é a novidade”, pontua Azevedo.

A seguir, a DW lista as principais conquistas ambientais do Brasil nas últimas décadas e como elas vêm sendo ameaçadas.

Meio Ambiente e a Constituição Federal

Depois de duas décadas de regime militar, a Constituição Federal de 1988 tentava limpar os resquícios do longo período de perseguições, censura e autoritarismo.

Junto a garantias de direito à liberdade, à vida, a Carta destinou um capitulo inteiro ao meio ambiente. Passava a ser obrigação do Estado defender e preservar o ambiente ecologicamente equilibrado para todos os brasileiros, inclusive para as gerações que ainda virão. 

Além da proteção à natureza, a Constituição criou embasamento legal em torno dos direitos indígenas, quilombolas e povos tradicionais. “Era também uma resposta ao que acontecia na Ditadura Militar, em que o meio ambiente foi profundamente afetado, populações indígenas e quilombolas foram perseguidas e dizimadas”, lembra Carlos Nobre, climatologista associado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

As décadas que se seguiram foram usadas para implementar o que previa a Constituição. A demarcação de terras indígenas, por exemplo, foi acelerada durante os dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002 – até hoje o governo que mais executou esse tipo de processo.

Mas, desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, notícias sobre demarcações deram espaço a pedidos de investigação e denúncias. “Em todas as áreas, incluindo os direitos indígenas, o atual governo não está cumprido a Constituição”, afirma Tasso Azevedo.

Um dos casos mais recentes envolve ameaças aos indígenas Yanomami, em Roraima e Amazonas, e Munduruku, no Pará, que sofrem com ataques violentos e invasões de suas terras. Após a denúncia das violações feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal adote medidas imediatas para garantir a proteção desses territórios e de seus povos.

Sistema de Monitoramento da Amazônia

A partir de 1988, o programa de monitoramento via satélite da maior floresta tropical do mundo, que tem 60% de sua porção no território brasileiro, passou a ser contínuo. A análise, feita desde então pelo Inpe, mostrou que o Brasil já desmatou mais de 800 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica até 2020, área três vezes maior que o estado de São Paulo.

O programa, porém, começou às avessas: ainda durante a Ditadura Militar, no fim dos anos 1970, a vigilância via satélite tinha o objetivo de fiscalizar se a vegetação estava sendo destruída como o programado, já que o governo incentivava a substituição da mata nativa por fazendas.

Anos mais tarde, o país passou a sofrer uma grande pressão internacional por conta do aumento do desmatamento e os dados do programa foram fundamentais para criação de políticas de controle.

“O Brasil foi pioneiro em estruturar sistemas de monitoramento de florestas tropicais introduzindo novas ferramentas e abordagens, ao longo do tempo, para ampliar as questões de monitoramento. Adicionalmente, o Inpe teve um papel importante na comunicação com a sociedade ao tornar públicos os dados”, aponta Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB).

Foi essa transparência que permitiu que imprensa e organizações da sociedade civil soubessem o que acontecia no bioma. E quando os satélites indicaram uma alta no ritmo de corte da floresta no primeiro ano do governo Bolsonaro, a tentativa foi de desqualificar os dados.

Ricardo Galvão, diretor do instituto à época, foi exonerado ao defender o trabalho de monitoramento feito há mais de 30 anos. Semanas antes, Bolsonaro havia dito que os dados de alerta eram mentirosos e que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.

Lei de Crimes Ambientais

Dez anos após a promulgação da Constituição, a Lei de Crimes Ambientais (n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998) criou os instrumentos para punir quem destrói o meio ambiente. A legislação definiu as responsabilidades, centralizou e uniformizou as penas.

“Ela ajudou a melhorar a fiscalização com uso de imagens de satélite, por causa dela mais agentes ambientais foram contratados”, exemplifica Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, Imazon.

Uma das consequências foi a criação da lista pública de áreas embargadas por aqueles que descumprirem a lei, ou seja, que cortam a floresta ilegalmente. Desde 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permite a consulta das propriedades penalizadas. O guia oferece a localização e dados da infração para que bancos, por exemplo, considerem essas informações antes de ceder crédito.

Esse instrumento, na opinião de Barreto, foi importante para envolver o setor privado na luta contra o desmatamento ilegal. “O setor privado que compra de produtores de áreas embargadas passou a ter também responsabilidade. Isso trouxe grandes frigoríficos e traders de grãos para o jogo”, pontua Barreto, destacando ainda a importância da Moratória da Soja, de 2006, um acordo entre empresas e produtores que vetava a compra do grãos vindos de áreas desmatadas sem licença.

Construído ao longo de décadas, o rigor da fiscalização ambiental se perdeu na administração de Bolsonaro. Além da queda na aplicação de multas em anos de disparada de desmatamento, o setor de fiscalização ambiental está perto de se tornar inviável devido ao baixo orçamento do Ministério do Meio Ambiente para 2021.

“Nos últimos dois anos, vivemos um rápido ataque sobre tudo isso. Tínhamos desenvolvido uma capacidade grande de controle ambiental, que era orgulho dos brasileiros”, comenta Raquel Biderman, vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil e representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Para Biderman, falta uma ação mais rigorosa para barrar o desmonte atual. “Se o Brasil consolidou normas tão rígidas, tão importantes, por que o Ministério Público e o Judiciário não foram tão proativos nos últimos dois anos [para frear o desmonte]? Isso para mim é uma incógnita. Muito poderia ter sido evitado”, comenta.

Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm)

Lançado em 2004, o PPCDAm foi o primeiro plano estratégico colocado em prática para proteger um bioma brasileiro. O plano, criado por um grupo que incluía 17 ministérios sob coordenação da Casa Civil, se baseava em três eixos: ordenamento fundiário e territorial; monitoramento e controle ambiental; fomento às atividades produtivas sustentáveis.

Para Carlos Nobre, o PPCDAm proporcinou uma grande redução do desmatamento na Amazônia a partir daquele ano. Depois de chegar ao segundo maior índice em 2004, com 27,7 mil km², a destruição do bioma caiu para 4,6 mil km², em 2012, a menor já registrada.

“Foi uma queda de mais de 70% nas taxas de desmatamento no Brasil em comparação com a média de 1995 a 2004”, lembra Nobre. “Quando se fazia a conta de quanto carbono se deixou de emitir com essa queda, o Brasil se tornou o maior país com emissões evitadas do mundo, ganhando grande destaque internacional”, complementa.

Quando Bolsonaro chega ao poder e Hamilton Mourão assume o “controle” de assuntos relacionados à Amazônia o plano praticamente deixou de existir. “Mourão apresentou um ‘pseudoplano’, muito sintético, com nada de novo”, comenta Thelma Krug. “A proposta desse governo de regularização fundiária, um problema desde sempre, vem numa contramão porque querem regularizar áreas que foram tomadas por grileiros e que são muito responsáveis pelo desmatamento. Um retrocesso muito grande”, avalia.

Nos últimos dois anos, a destruição da floresta na Amazônia voltou a bater recordes da última década, registrando uma perda de 10 mil km², em 2019, e de 11 mil km² em 2020.

Código Florestal

Aprovado sob um clima bastante polêmico em 2012, o novo Código Florestal é apontado por alguns especialistas como um marco importante das políticas ambientais nos últimos anos. A legislação regula o uso do solo em propriedades privadas e estabelece as áreas que devem ser preservadas.

“Somos um país florestal e um país agrícola, exportador de produtos primários. A reformulação da lei foi importante para regulamentar uso do solo e de forma rigorosa nos aspectos ecológicos”, argumenta Raquel Biderman.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) obrigatório é apontado uma iniciativa importante. “Não é perfeito porque depende dos proprietários que autoindicam o limite das terras, mas é um instrumento fantástico de monitoramento”, comenta Thelma Krug.

A implementação do código, por outro lado, ainda não ocorreu em sua totalidade. “O Brasil não vai atrair investidores por conta de uma percepção internacional de que operamos na ilegalidade, porque não cumprimos o Código Florestal, a Politica Nacional de Mudanças Climáticas e tantas outras”, pontua Biderman, acrescentando que a temática é cada vez mais central na economia global e influencia tomada de decisões dos bancos e de investidores.

“Nos últimos anos, temos sido percebidos como um pais que tem risco e por isso o dinheiro foge daqui”, complementa Biderman.

Fundo Amazônia

A criação do Fundo Amazônia, em 2008, ainda é vista como pioneira. O programa mais duradouro de financiamento à proteção da maior floresta tropical do mundo bancava projetos que combatessem o desmatamento, maior fonte de gases que aceleram as mudanças climáticas no Brasil.

O dinheiro vinha de doações da Noruega e Alemanha a partir de um principio claro: o recurso saia à medida que a destruição da vegetação caísse. “O Brasil conseguiu introduzir algo que foi muito importante, que é o pagamento por resultados”, pontua Thelma Krug, lembrando que as discussões preliminares começaram na Conferência do Clima ainda em 2005.

Nos anos prévios a Bolsonaro, o fundo apoiou 102 projetos. “O Fundo Amazônia deu dois sinais: se há resultados, há recursos. E esse recurso foi importante para lidar com questões estruturantes, como a implantação do CAR, manutenção do sistema de monitoramento do Inpe, ampliação do monitoramento para o cerrado, entre outros”, diz Tasso Azevedo.

Desde 2019, porém, a iniciativa segue paralisada. Naquele ano, Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, disse, sem provas, ter encontrado “indícios de irregularidades” no gasto de verbas e promoveu mudanças unilaterais na gestão do fundo, sem consultar os doadores. O Tribunal de Contas da União investigou os projetos e não constatou nenhuma irregularidade. Salles ainda criou atritos adicionais com os doadores ao tentar direcionar recursos do fundo para projetos de regularização fundiária, algo não previsto no estatuto do mecanismo

“Ao criar essa confusão toda, a pretexto de tirar dinheiro das ONGs, o que governo fez foi drenar recursos das instituições publicas, que hoje sofrem mais do que nunca”, analisa Azevedo.  

Com o atual contexto de enfraquecimento das políticas ambientais, Thelma Krug não vê perspectivas de melhora da credibilidade do país no exterior. “Não tenho muito confiança de que pagamentos virão para o Brasil sem que haja a demonstração de resultados concretos”, aponta.

Matéria Original: https://racismoambiental.net.br/2021/06/05/como-conquistas-ambientais-do-brasil-estao-ruindo-sob-bolsonaro/


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