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Foto: Mussa Qawasma / Reuters

A Amazônia, o Pantanal e o greenwashing israelense

Escavadeiras israelenses arrancam oliveiras palestinas. Em 15 de abril de 2016 [Agência Anadolu]
Escavadeiras israelenses arrancam oliveiras palestinas. Em 15 de abril de 2016 [Agência Anadolu]

Por Soraya Misleh, Via Monitor do Oriente Médio

Com recorde de queimadas no mês de outubro último, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), são dramáticas as cenas de animais e árvores centenárias em chamas, no Pantanal e na Amazônia brasileiros. O rastro de destruição que comove e choca tem também despertado a sanha de colonizadores como Israel. Para o estado sionista, representa oportunidades de bons negócios e propaganda ao greenwashing israelense.

O termo em inglês significa a busca por encobrir violações de direitos humanos utilizando a retórica do desenvolvimento sustentável e preservação ambiental. Não é exclusividade israelense, mas, como não poderia deixar de ser para o apartheid, serve como “cortina de fumaça” para desviar a atenção sobre seus crimes contra a humanidade. E uma “cortina de fumaça” que pode render ao estado sionista bons ganhos para sustentar a ocupação na Palestina.

É o que visam duas iniciativas virtuais marcadas para ocorrer ainda neste mês de novembro: a inauguração de regionais da Câmara Brasil-Israel (Bril Chamber) em Mato Grosso e no Amazonas. A primeira acontecerá no dia 10 e a segunda, no dia 26, simultaneamente ao evento internacional “Amazon Tech”, no qual estará presente o primeiro-ministro sionista, Benjamin Netanyahu, ao lado do vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, além de empresários e “especialistas”.

Conforme publicado em 3 de novembro no portal A Crítica, o Amazon Tech inaugurará uma série de discussões do Bril Think Thank para “abordar temas de interesse binacionais” e apresentará “tecnologias israelenses para o desenvolvimento sustentável da Amazônia”. Nessa lógica Think Thank – de organização cujo papel é apresentar conhecimento específico para influenciar políticas públicas –, o estado sionista arvora-se como o que detém know how para interferir na Amazônia e no Pantanal, no caso.

“As ferramentas tecnológicas que deram certo em diversos setores de Israel pretendemos oferecer também ao Brasil. Um desses setores que acreditamos ser importantes para o país é o agronegócio e a sustentabilidade do meio ambiente”, descreveu Renato Ochman, presidente da Câmara Brasil-Israel ao portal A Crítica.

O pensamento colonizador sionista se revela sem qualquer pudor. Israel se apresenta como o salvador do meio ambiente ao diminuto Brasil, com suas “inovações” fantásticas – totalmente desnecessárias ao Brasil e que nem de longe são a solução. Pelo contrário, não passam de mais do mesmo dentro da lógica do agronegócio que tem produzido queimadas recordes na Amazônia e extermínio de indígenas. Estes povos originários que obviamente não são ouvidos sobre as soluções mágicas anunciadas por Mourão, como firmar parceria com um estado cujo currículo em termos de violações de toda ordem é parte da sua existência.

Nakba ambiental

Israel promove a ideia de “desenvolvimento sustentável” enquanto historicamente destrói e usurpa as áreas de cultivo palestinas e seus recursos naturais. Esta é a realidade desde a Nakba (catástrofe palestina) – criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada, que culminou na expulsão à época de 800 mil palestinos das suas terras e destruição de cerca de 500 aldeias. Ao contrário da propaganda, preservação não consta da sua agenda.

A Nakba é também ambiental, como previsto no projeto político colonial. Uma das organizações sionistas diretamente responsáveis por isso é o Fundo Nacional Judaico (FNJ), criado em 1901. Sua atribuição era garantir terras exclusivamente para judeus e transformar a paisagem local – à semelhança da Europa. O sionismo visava, assim, se apresentar ao imperialismo do momento – que a partir do pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918) seria a Grã-Bretanha e hoje são os Estados Unidos – como um oásis ocidental “civilizado” em meio a um “Oriente” atrasado.

Apregoava à época, falsamente, que faria “florescer o deserto” em “ uma terra sem povo para um povo sem terra”. Mas na realidade sabia que na Palestina havia uma população majoritariamente camponesa, que cultivava a terra há séculos, assegurando diversidade no plantio em suas terras – muito diferente da agricultura israelense hoje, em que grassa o uso de pesticidas. Lamentavelmente, a vegetação nativa, nas centenas de aldeias destruídas, vive apenas nas memórias de refugiados palestinos, cujas descrições estão recheadas de belas plantações que floresciam na terra de onde tiravam seu sustento.

Sob mitos fundadores, o sionismo, ao contrário, levou a barbárie à Palestina e destruiu a mata nativa. Derrubou milhares de árvores e usurpou terras férteis palestinas para a construção de colonatos. E isso continua até os dias atuais.

Os parques israelenses que se veem hoje, sob responsabilidade do FNJ, encontram-se sobre os cadáveres dessas aldeias. Servem ao intuito de negar o legítimo direito de retorno dos hoje 5 milhões de refugiados palestinos as suas terras. E ao greenwashing que Israel apresenta agora ao Brasil.

O FNJ, como explica o Canadians for Justice and Peace in Middle East (Canadenses pela Justiça e Paz no Oriente Médio) em seu site, usa a política ambiental, como o plantio de árvores, como uma ferramenta para limpar de verde a destruição de Israel das aldeias palestinas.

“Enquanto o FNJ afirma ter tido grandes sucessos com florestamento, combate à desertificação, reabilitação e prevenção de incêndios florestais, na verdade fez o oposto: destruir frequentemente o ambiente nativo em nome do desenvolvimento. Na década de 1950, por exemplo, drenou os maiores pântanos de Israel para ganhar terras para a agricultura. Como resultado, algumas espécies foram extintas”, descreve a organização.

E continua: “Enquanto o FNJ se orgulha de ter plantado mais de 240 milhões de árvores, a grande maioria não é nativa. Embora o impacto dessa decisão ainda esteja sendo compreendido, sabe-se que essas árvores são mais inflamáveis ​​do que as espécies nativas e matam-nas.” Reduziram significativamente a biodiversidade na Palestina e promoveram a desertificação. “O FNJ plantou árvores no deserto do Negev, que absorveram água e calor, causando superaquecimento e ‘um efeito local das mudanças climáticas’”, descreve ainda o grupo.

Vale observar também que entre 1944 e 1945, segundo documento divulgado pela organização Stop the Wall, camponeses palestinos produziram 79 mil toneladas de azeitonas em suas terras. E em pouco mais de 50 anos – desde a ocupação militar de 1967 –, Israel destruiu 800 mil oliveiras, o equivalente a 33 parques. Oitenta mil famílias cuja vida girava em torno da colheita e cultivo da terra na Palestina foram afetadas. As informações são divulgadas pelo projeto Visualizing Palestine.

Não bastasse isso, o que se manteve a partir da Nakba foi usurpado. Um exemplo são as laranjas de Jaffa, cidade palestina ocupada em 1948 que já contava com um porto desde os primórdios do século XX para abastecer outros mercados com sua produção local. Documento divulgado pela organização Stop the Wall mostra que entre 1938 e 1945 palestinos exportaram mais de 16 milhões de caixas de laranja para o mundo. E nos anos subsequentes à Nakba, o Estado de Israel passou a usar imagens dessas laranjas como parte de sua propaganda enganosa de que havia feito “florescer o deserto”. Mas o que fez foi destruir lagos, rios e regiões inteiras.

Racismo ambiental

Segundo demonstra a organização palestina de direitos humanos Al Haq em seu relatório intitulado “Environmental Injustice in Ocuppied Palestinian Territory – Problems and Prospects” (Injustiça ambiental nos territórios palestinos ocupados), o racismo ambiental é parte constituinte do projeto colonial sionista.

Na Cisjordânia ocupada, o documento cita exemplos que não deixam dúvidas. Entre eles, a constituição de zonas industriais altamente poluentes que despejam contaminantes sobre os palestinos na cidade de Tulkarm, a instalação de “lixões” sobre aquíferos que abastecem famílias palestinas em Qalqylia e de depósito de lixo tóxico em Abu Dis, Jerusalém, com alta incidência de doenças entre essa população.

A usurpação de fontes hídricas é também realidade, como se vê no Vale do Jordão, em que Israel tem drenado água do Mar Morto, ameaçando sua existência.

Assentamentos roubam água palestina [Sarwar Ahmed / Monitor do Oriente Médio]

Em Gaza, os contaminantes despejados por Israel levaram à situação dramática de que 95% dos aquíferos estão impróprios para consumo. Gases tóxicos são também lançados sobre as plantações de palestinos na estreita faixa. E as bombas despejadas sobre as cabeças dos palestinos constantemente têm causado fortes danos ambientais, além de morte e mutilação. Os drones que descarregam essas bombas estão entre os produtos anunciados por Israel agora como tecnologias para impedir invasões de terras e prevenir queimadas.

Caveirão do agronegócio

Yves Lacoste, geógrafo francês, ficou conhecido por escrever o livro “A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”. E o que ele queria dizer? Que o conhecimento geográfico, sobretudo, as técnicas cartográficas – hoje sensoriamento remoto e georreferenciamento, a partir do advento dos satélites – servem a estratégias militares dos estados nacionais. O subproduto disso é usado para fins “civis”, para o comércio, mas sempre com um recorte geopolítico e de classe social. Pode servir, por exemplo, aos grandes proprietários de terras no Brasil que cobiçam e desejam monitorar terras devolutas na Amazônia Legal (o que representa entre 70% a 80% das terras da região) ou territórios indígenas. Fazendo justiça a Lacoste, o geógrafo propunha a inversão dessa lógica: o uso da geografia para a libertação dos oprimidos.

O alerta cabe bem aqui. Os drones e outras tecnologias que matam na Palestina, oferecidos por Israel supostamente para monitoramento do desmatamento no Brasil, podem servir ao controle do território pelo agronegócio, extermínio de indígenas e grilagem de terras na Amazônia legal por latifundiários. Assim como o caveirão israelense nas mãos do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) no Rio de Janeiro serve ao genocídio negro e pobre nas favelas.

Com parceiro como esse sendo saudado por Mourão/Bolsonaro, a Amazônia e o Pantanal não poderiam estar em piores mãos. Definitivamente pedem socorro. Repudiar o greenwashing e levantar a bandeira do boicote a Israel é fundamental na luta contra a colonização no Brasil e na Palestina. Basta de cadáveres e seus abutres.

Monitor do Oriente Médio https://www.monitordooriente.com/20201106-a-amazonia-o-pantanal-e-o-greenwashing-israelense/


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