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Às vésperas da Rio+20, Brasil tenta atrair líderes mundiais para a Conferência e evitar a implosão de seu discurso sustentável

Teremos que esperar a Rio 2032?

No último dia 20 de março, um imenso veleiro com bandeira holandesa, dois mastros de 55 metros, tripulação de 32 pessoas e heliponto estacionou no porto de Manaus, no Rio Negro. Entre os tradicionais barcos de madeira que compõem o cenário, aquele colosso chamava a atenção de quem passava. No seguinte, um bote de ação com motores potentes estacionou na proa com um grupo de jornalistas brasileiros e internacionais, entre eles este repórter. A comitiva foi recebida pela cúpula mundial e brasileira da ONG Greenpeace.

Depois de algumas doses de suco feito com frutas locais, o número 1 da organização, o sul-africano Kumi Naidoo, o diretor executivo no Brasil, Marcelo Furtado, e o coordenador na Amazônia, Paulo Adário, conduziram os profissionais da imprensa e mais duas dezenas de líderes ambientais para uma excursão pelo navio Rainbow Warrior. Joia da coroa do Greenpeace, o barco, inaugurado no fim do ano passado, foi o primeiro feito sob medida para os ativistas. Um assessor da ONG conta que o primeiro navio do grupo foi adquirido em 1977 e explodido pelo serviço secreto francês em 1985, quando se preparava para impedir testes nucleares franceses. A missão que começou ali vai terminar em junho, no Rio de Janeiro, durante o maior evento sobre meio ambiente do planeta, a Rio+20.

Quando desembarcarem na capital fluminense, os 32 tripulantes se unirão aos representantes de outras ONGs no evento paralelo ao encontro dos chefes de Estado, a Cúpula dos Povos. Quando isso acontecer, eles terão na bagagem uma poderosa ferramenta de constrangimento para o governo brasileiro. Foi no porão do Rainbow Warrior que o motivo da visita foi revelado: coletar 1,4 milhão de assinaturas e levar ao Congresso uma proposta de lei de iniciativa popular, nos moldes da Ficha Limpa, para colocar a taxa de desmatamento no Brasil no único nível em que pode ser considerada aceitável: o zero. A ideia é apresentar um contraponto ao projeto elaborado pelo ex-deputado federal e hoje ministro do Esporte, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que modificou drasticamente o Código Florestal Brasileiro.

Ao fazer isso em pleno Rio de Janeiro durante a Rio+20, o Greenpeace vai criar mais um elemento de pressão sobre a anfitriã da Conferência da ONU, a presidenta Dilma Rousseff. Antes que alguém tivesse tempo de questionar o alcance da iniciativa, diversos vídeos foram apresentados com depoimentos de celebridades, como Camila Pitanga e Marcos Palmeira. Com assinatura da badalada produtora Conspiração Filmes, as vinhetas tinham qualidade visual e conteúdo impecáveis. A produção e os cachês dos comerciais não custaram nada à ONG e serão exibidos em rede nacional de televisão. “Estive com Dilma antes da eleição e faço um apelo do fundo do meu coração: que ela vete o projeto do Código Florestal. A escolha dela é simples: permitir lucros de curto prazo para pouca gente ou tomar medidas de sustentabilidade que beneficiem o povo brasileiro”, disse Kumi Naidoo. “Infelizmente, no debate do Código Florestal, os políticos ignoraram os alertas dos cientistas e os anseios da população. Escreveram um texto que vai contra a preservação florestal. A lei do Desmatamento Zero é a resposta da sociedade civil a esse atropelo”, completou Paulo Adário, diretor da campanha Amazônia do Greenpeace.

Quase simultaneamente à apresentação do projeto pela ONG, em outro extremo de Manaus, no lendário Hotel Tropical, líderes políticos, celebridades e empresários de todo o mundo faziam a abertura do 3° Fórum Mundial de Sustentabilidade. Entre os convidados, estava o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Um dia antes do fim do encontro, Kumi Naidoo, Paulo Adário e Marcelo Furtado subiram discretamente até a suíte presidencial, onde foram recebidos por FHC. Sem a presença da imprensa, o ex-presidente sentou-se com o grupo em uma mesa redonda e, depois de alguns minutos de conversa, colocou seu nome no topo do abaixo-assinado que vai se tornar projeto de lei. No dia seguinte, o Rainbow Warrior deixou Manaus e seguiu seu trajeto, que inclui Santarém, Belém, São Luís, Recife, Salvador e Santos.

A iniciativa do Greenpeace exemplifica o dilema vivido pelo governo brasileiro às vésperas da Rio+20. Enquanto luta contra o esvaziamento do evento, a presidenta Dilma enfrenta uma mobilização intensa do lobby do agronegócio pelo recrudescimento do projeto do Código Florestal. Some-se a esse quadro a insatisfação da base aliada, e temos um perigoso cenário para as pretensões brasileiras de emergir como liderança global da sustentabilidade. Por ora, a palavra de ordem do governo é otimismo. “O Brasil chegará à Rio+20 podendo anunciar a criação de 1 milhão de novos empregos. Depois da frustração de Copenhague, estamos otimistas que a Rio+20 trará resultados. E o Brasil será protagonista”, disse à Fórum o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), líder do governo no Senado. A pretensão do Palácio do Planalto tem lastro histórico. Na Conferência de 1992, eram os países desenvolvidos os donos da pauta. Passadas duas décadas, os Brics ganharam força.

“Rascunho Zero”. Presença idem?

Vinte anos depois de Fernando Collor de Mello transformar a Conferência da ONU do Rio, em 1992, na vitrine de sua rápida passagem pelo governo, Dilma luta contra o tempo para evitar o esvaziamento da Rio+20. Com a crise europeia dominando a agenda e os Estados Unidos em aquecimento para as eleições presidenciais, teme-se no Palácio do Planalto que os principais chefes de Estado enviem representantes do segundo ou terceiro escalão e que o evento termine sem nenhuma articulação concreta – ou seja, prazos e metas. Dilma convidou pessoalmente vários chefes de Estado para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ocorrerá em 20, 21 e 22 de junho no Rio de Janeiro. Ligou para Vladimir Putin, primeiro-ministro russo; para o rei Juan Carlos, da Espanha, e falou pessoalmente com a chanceler alemã, Angela Merkel, em Hannover. Não adiantou. Nenhum dos três confirmou presença, embora o rei tenha garantido a participação de seu primeiro-ministro no evento.

Em visita ao Brasil no final de março, quando esteve no Fórum Mundial de Sustentabilidade, em Manaus, o ex-primeiro ministro da França, Dominique de Villepin, se mostrou cético. “Em meio à crise, vamos enfrentar dificuldades em chegar a decisões comuns. Nas eleições da Europa, a pauta ambiental ficou fora dos debates. Foi assim na França, Espanha e Alemanha.” Até o fechamento dessa reportagem, 80 chefes de Estado haviam confirmado participação no evento. O número é alto, mas não constam da lista os pesos pesados. Segundo o embaixador Luis Alberto Figueiredo, secretário executivo da Comissão Nacional para Rio+20, a presença de Barack Obama “pode acontecer”, mas ela ainda é uma incógnita.

Sem a presença dos líderes, a Rio+20 corre o risco de produzir apenas uma carta de intenções. Esse seria o pior cenário para o Brasil, que defende aprovação de metas de desenvolvimento sustentável aplicadas a todos os países, não só aos em desenvolvimento. Em mais de uma ocasião, o secretário-geral da Rio+20, Sha Zukang, mostrou-se preocupado que a crise econômica internacional e as eleições em países como os EUA comprometam as negociações.

O ponto de partida dos debates será um documento elaborado pela ONU chamado “Rascunho Zero”, que tem sido duramente criticado pela superficialidade. No Fórum de Manaus, o coordenador executivo da Rio+20, o francês Brice Lalonde, explicou que o “Rascunho” foi elaborado com sugestões enviadas pelos 193 Estados-membros da ONU. “Se os países não estão felizes com esse documento, deveriam ter enviado sugestões melhores.” Questionado sobre o fantasma do esvaziamento do evento, Lalonde se diz otimista. “A presença de chefes de Estado na Rio+20 vai superar a Rio +92. Seria difícil para os líderes mundiais não comparecerem ao evento.”

Para a alegria dos parlamentares presentes, entre eles, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), Lalonde afirmou que a Rio+20 será a consagração definitiva do “Bolsa Família”. “O mundo precisa assumir programas concretos para a erradicação da pobreza e adotar o exemplo do Bolsa Família.” Mais tarde, em conversas com jornalistas, FHC se esquivou. “O combate à pobreza é outra coisa. O foco tem que ser o meio ambiente.” O sul-africano Kumi Naidoo se mostrou cético em relação ao sucesso da Rio+20. “Se formos brutalmente honestos, diremos que nossos líderes foram sonâmbulos. Vemos 350 mil vítimas por ano por causa das mudanças climáticas. A Rio+20 tem poucas chances de reverter esse quadro.” Entre os organizadores da Conferência, já existe uma espécie de plano B. Se nada de concreto for definido, os chefes de Estado serão pressionados a pelo menos fortalecer o combalido Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (Pnuma). Sucateado, o organismo ganharia mais recursos e status político mundial. Se isso acontecer, restaria esperar pela Conferência Rio 2032.  F

“O Brasil vive um retrocesso na questão indígena e ambiental“, diz cacique Suruí

Em 2007, o líder indígena Almir Suruí ganhou os holofotes mundiais ao fechar uma parceria inédita com o Google, que levou a tecnologia às tribos. Dessa forma, os índios puderam guardar em vídeos e fotos a história da aldeia. Mas a parceria foi além: com smartphones e aparelhos GPS, os índios aprenderam a delimitar suas terras para denunciar desmatamentos ilegais. No ano passado, Suruí foi escolhido pela revista americana Fast Company um dos cem líderes mais criativos do mundo nos negócios. “A esperança do mundo na Rio+20 está na ação do Brasil. O país precisa se preparar não apenas logisticamente, mas também com propostas para o futuro” disse o cacique à Fórum.

Durante o evento, seu discurso será duro com o governo brasileiro. “O papel de Dilma em relação aos povos indígenas é péssimo. Belo Monte foi feita de qualquer jeito. Para presidir o Brasil é preciso respeitar as diferenças.” Para Suruí, o novo Código Florestal brasileiro representa uma ameaça às tribos. “O Código Florestal vai dar incentivo ao desmatamento. E as terras indígenas estão nas regiões que serão mais afetadas.”

“Projeto Desmatamento Zero é resposta ao Código Florestal”

Fórum – Seria melhor adiar a votação do Código Florestal?

Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil – O adiamento é apenas um indicativo de que a proposta não fala de floresta, e sim do agronegócio. Pior que isso. O Código Florestal não fala de um agronegócio moderno, que concilia sustentabilidade com produção de alimentos, mas sim de um agronegócio retrógrado. A nossa resposta é essa lei de iniciativa popular, a Lei do Desmatamento Zero.

Fórum – Se ficar para junho, o debate sobre o Código não corre risco de cair no esquecimento?

Furtado – A sociedade brasileira vai usar no futuro o Código como um ícone sobre o que vai acontecer com a sustentabilidade no Brasil. A presidenta Dilma tem no colo um dilema indicativo claro do que a sociedade brasileira quer: 80% do país disse que não concorda com o desmatamento

Fórum – O autor do projeto, ex-deputado e ministro Aldo Rebelo (PCdoB-SP) costuma criticar organizações estrangeiras que atuam no Brasil, como o Greenpeace. O que diria a ele?

Furtado – Nós comemoramos 20 anos no Brasil defendendo um país verde limpo. Aldo Rebelo, que gosta muito de História, devia estudar mais. A sociedade brasileira é interligada com os desafios mundiais. O Brasil pode liderar esse debate ou se juntar ao atraso.

(Revista Fórum)

Fonte: Envolverde

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