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Um medidor tradicional do nível do Rio Las Ceibas sob a ponte do Guyabo, na saída de Neiva, é complementado com um sensor que pende dessa ponte e envia por ondas de rádio informação sobre o caudal. Foto: Cortesia FAO

À prova de El Niño e La Niña

A prevenção de riscos com participação comunitária reduziu o perigo de inundações e falta de água na cidade colombiana de Neiva.

Neiva, Colômbia, 14 de maio de 2012 (Terramérica).- A engenheira Patricia Gómez apresenta um painel para 11 homens do Corpo de Bombeiros desta cidade, capital do departamento de Huila, no sudoeste da Colômbia. Vários deles usam seu uniforme vermelho. Estão relaxados, mas atentos a uma grande tela sobre a qual Patricia explica como ler os indicadores do sistema de alarme de desastres.

O que ela mostra é a Rede Integrada de Monitoramento Hidrometeorológico, Alerta e Alarme da Bacia do Rio Las Ceibas (Rimac), alta tecnologia para a prevenção de desastres em tempo real. Las Ceibas é, ao mesmo tempo, fonte de vida e de desastres. Suas águas são a única fonte do aqueduto de Neiva. Contudo, o desmatamento e a queima de solos, antiga tradição camponesa, nefasta para as ladeiras andinas, fazem escorrer sedimentos para o rio, reduzindo a qualidade da água e facilitando desmoronamentos e avalanches. O rio transborda e causa inundações nos bairros pobres da cidade, que estão situados sobre a ribeira.

No painel de capacitação sobre a Rimac, a engenheira mostra aos bombeiros como aparece na tela o efeito das fortes chuvas que houve durante o dia na cidade. Uma tábua de valores, alimentada com informação enviada a cada cinco minutos por sensores instalados em diferentes pontos da bacia, mostra que o aguaceiro provocou a maior elevação do rio no mês: 2,36 metros.

A Rede conta com oito estações de monitoramento, mas estão previstas 22, segundo um projeto interinstitucional que já dura quatro anos e meio, coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A informação que chega dos sensores é armazenada na estação da Universidade Sul-Colombiana, em Neiva (estatal).

Os bombeiros cuidam de monitorar o sistema nas 24 horas do dia. Se há um evento, avisam o prefeito da cidade, único autorizado a declarar o nível de alerta. Patricia recorda aos bombeiros o que dizer às comunidades sobre o significado de alerta amarelo: “O que não fiz em estado normal, faço em alerta amarelo. Me preparo”. Alerta laranja: “Estou na dependência do que dirão as autoridades. Estou pronto”. Alerta vermelho: “Queira Deus que ninguém esteja andando por aí…”.

O engenheiro da FAO Humberto Rodríguez, não vacila quando perguntado quais os principais avanços do Projeto Bacia do Rio Las Ceibas, que ele dirige e que faz parte da Rimac. “Reduziu o risco para a população ribeirinha em caso de cheias do Rio Las Ceibas”, disse ao Terramérica.

Do projeto participam prefeitura, governo do departamento, a autoridade regional ambiental e as Empresas Públicas de Neiva (EPN). “O sistema de alerta que estabelecemos permite, de forma constante, ter informação dos níveis do rio. Isto é complementado por um sistema de rádios comunitárias que nos informam sobre a situação da bacia”, acrescentou o engenheiro, um entusiasmado especialista com mais de 30 anos de experiência.

Humberto assegurou que “também temos um sistema de pluviômetros manuais. Nos comunicamos por telefone celular com os proprietários de terras onde ficam os medidores, que assumiram um compromisso com o projeto”. Ou seja, há comunidade participando na prevenção de risco. Na bacia rural vivem cerca de 600 famílias, mas também estão envolvidos os setores mais expostos da cidade, que tem 295 mil habitantes.

Os bombeiros apenas estão aprendendo a usar os equipamentos. A crítica principal é que o sistema conectado à central de bombeiros de Neiva não emite um alarme sonoro, como comentou um deles ao Terramérica. “Isso é algo que podemos modificar”, afirmou Humberto ao ser informado pelo Terramérica. Neste período em que o projeto existe as queimas de solo caíram 90%, calcula a FAO. No início eram queimados anualmente entre 300 e 400 hectares, o que resultava em maior sedimentação e mais riscos águas abaixo. Os relatórios atuais sobre queima vão de um a quatro hectares, no máximo.

O empregado das EPN encarregado de verificar o medidor na ponte do Guayabo, à saída de Neiva, recorda épocas com tal quantidade de sedimentação que as águas chegavam a oito a nove mil unidades nefelométricas de turbidez (NTU). A turbidez da água para beber não deve superar as cinco NTU, segundo a Organização Mundial da Saúde. Em Las Ceibas, o último registro marcou quatro mil NTU, o que significa que a sedimentação do rio caiu quase pela metade. “Menos solo está sendo arrastado por processos de escorrimento superficial”, contou Humberto.

A mudança foi obtida por meio de técnicas simples que também fazem parte da intervenção do projeto sobre a bacia, como comprometer a comunidade com melhores práticas agropecuárias, reflorestamento e uso de adubos verdes para aperfeiçoar cultivos, ou bioengenharia para frear desmoronamentos, criando grandes degraus, sustentados com bambu colombiano (Bambusa guadua).

É fundamental “convencer as pessoas” que vivem nesta área ecossistêmica “de que, definitivamente, é a última oportunidade que têm de oferecer um serviço ambiental a Neiva”, que deve se traduzir em água de boa qualidade e quantidade para a cidade, afirmou Humberto. Como a chave do projeto é vincular as 600 famílias rurais com a população urbana de Neiva, o projeto tem um Conselho de Bacia. “Talvez seja o único que realmente funciona na Colômbia”, acrescentou. O Conselho é integrado pelas instituições sócias do projeto e por delegados da comunidade. Reúne-se duas ou três vezes ao ano e discute as preocupações da comunidade e suas propostas para melhorar.

Durante a seca associada ao El Niño – Oscilação do Sul (Enos) – o caudal do rio baixou em Neiva entre 2,6 e 2,3 metros cúbicos por segundo, mas não houve necessidade de racionamento, enquanto em outros lugares do país o fornecimento de água foi interrompido. Isto também foi corroborado nas ruas de Neiva. “Isso era antes”, disse um morador, em referência a quando a cidade ficava sem água.

Antes, em época de seca e de El Niño, “a bacia era uma teia ardendo. Hoje em dia já não se queima nessa quantidade. Isto mostra que estão melhorando as condições de reconstituição da vegetação”, observou Humberto.  O Enos é um fenômeno oceânico e atmosférico periódico do Oceano Pacífico tropical, que afeta os padrões meteorológicos em todo o mundo. Na Colômbia, em sua fase quente, o El Niño provoca secas e, em sua fase fria, o La Niña causa intensas chuvas.

Em Neiva, o La Niña também é sentido de outro modo. O ano passado foi o mais chuvoso da bacia em uma década, com precipitações superiores a 2.900 milímetros. No entanto, houve apenas uma cheia, em novembro de 2010, quando o nível do rio subiu quase três metros, sem afetar nenhum bairro de Neiva. Assim, a bacia está começando a cumprir uma função reguladora.

* A autora é correspondente da IPS. Reportagem produzida com apoio da FAO.

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Colômbia – Cobertura especial da IPS Notícias, em espanhol

Projeto Bacia do Rio Las Ceibas, em espanhol

Rede Integrada de Monitoramento Hidrometeorológico, Alerta e Alarme da Bacia do Rio Las Ceibas, em espanhol

Empresas Públicas de Neiva, em espanhol

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, em espanhol, inglês e francês

Universidade Sul-Colombiana, em espanhol e inglês

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Terramérica)

Fonte: Envolverde

Um medidor tradicional do nível do Rio Las Ceibas sob a ponte do Guyabo, na saída de Neiva, é complementado com um sensor que pende dessa ponte e envia por ondas de rádio informação sobre o caudal. Foto: Cortesia FAO
Um medidor tradicional do nível do Rio Las Ceibas sob a ponte do Guyabo, na saída de Neiva, é complementado com um sensor que pende dessa ponte e envia por ondas de rádio informação sobre o caudal. Foto: Cortesia FAO

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