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Povo Tabajara luta contra fábrica de cimento na Paraíba

A cosmologia Tabajara encontra força na profecia. Quem a faz é sempre o indígena mais velho. Há pouco mais de 50 anos, o ancião de mais idade chamava-se Antonio Piaba. No leito de morte, depois de uma vida dedicada à luta pela terra tradicional de seu povo na Paraíba, o velho índio Tabajara reuniu a família e parentes para comunicar a sua profecia. Nela, um jovem apareceria para dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Piaba até aquele momento; o território poderia estar cheio de prédios, mas ele voltaria para as mãos dos legítimos donos.

Edinaldo dos Santos Silva ainda não sabia da profecia enquanto voltava para Maceió (AL), depois de um mês na Paraíba, e olhava a paisagem passar apressada através da janela do ônibus. Ao chegar à capital alagoana, partiria para Portugal assinar contrato – 45 mil euros mês – com o Porto, time de futebol que passaria a defender. A cabeça do jovem de 19 anos, no entanto, estava longe da realização do sonho e se concentrava numa missão não cumprida durante o mês de despedidas que antecedeu a viagem que agora fazia e só terminaria quando colocasse os pés nos gramados lusitanos.

Ao se despedir dos parentes Tabajara, o indígena encontrou-se com o tio-avô João Gringo. Idoso, o índio reclamou a Edinaldo que não estava satisfeito com a condição de assentado na terra de seus antepassados. Questionava a razão de pagar ao Incra para morar num chão que por direito é dos Tabajara. “Isso o magoava muito, mas ele pagava ou ia morar nas favelas das cidades. Então pediu para eu resolver a situação, buscar informações”, lembra.

Edinaldo passou um mês percorrendo o Incra, a Fundação Nacional do Índio (Funai), se reunindo com advogados, buscando aliados no movimento indígena e indigenista. Um mês era pouco para tanto a se fazer. Afinal, os Tabajara tampouco eram reconhecidos pela Funai. Com o prazo esgotado e uma promissora carreira de atleta, Edinaldo Tabajara regressava para Maceió quando decidiu fazer o inverso: a carreira de jogador de futebol estava esgotada e aquele mês envolvido com as questões de seu povo se transformaria na principal razão de sua vida. A profecia do velho Antonio Piaba Tabajara se cumpria. Tudo isso foi há cinco anos, muito antes do dia 9 de novembro deste ano quando mais uma vez à frente de seu povo, já como cacique, liderou a retomada de uma área na região de Mucatu, município de Alhandra, litoral sul da Paraíba.

As terras fazem parte do território indígena reivindicado pelos Tabajara como de ocupação tradicional. No entanto, lotes foram vendidos para uma empresa de cerâmica chamada Elisabeth. Contando com o apoio da Prefeitura de Alhandra, os empresários pretendem construir nas terras uma fábrica de cimento.

Despejo: mobilização de guerra

A área retomada no dia 9 de novembro era ocupada por um assentamento de clientes da reforma agrária. Os Tabajara decidiram pela ação depois que o terreno foi vendido para a empresa Elisabeth. Trata-se de três lotes, somando 115 hectares. “Entendemos que, apesar do território ser reivindicado pelo meu povo, ele cumpria uma função social. Então respeitávamos. A partir da hora que ele perdeu essa característica ao ser vendido, nossa decisão foi pela retomada”, explica o cacique Edinaldo.

Outros assentados, contrários à venda dos lotes, apoiaram a ação dos Tabajara. Treze casas foram ocupadas por cerca de 200 indígenas. No total, são 750 índios da etnia dispersos nas periferias dos municípios de Conde, Alhandra e Pitimbu, cidades que compartilham de forma contínua, da região de Mucatu a Barra de Gramame – local da única aldeia remanescente dos Tabajara –, o território indígena reivindicado.

Os indígenas permaneceram na retomada até o dia 30 de novembro. Durante a madrugada, uma operação policial foi organizada para a desocupação da área. Não houve aviso prévio e as tentativas de diálogo dos Tabajara com o governo foram em vão, tampouco com a Funai.
Aos indígenas restou a retirada: eram mais de 200 policiais da tropa de choque, cavalaria, canil, um batalhão de elite, helicóptero, além de quase uma centena de seguranças privados da empresa Elisabeth que esperavam a saída dos indígenas para garantirem a segurança do terreno.

“Fecharam todas as saídas e ficamos isolados. O deputado estadual Frei Anastácio (PT) tentou furar o bloqueio e teve o braço torcido por um policial. Negociamos a saída das 4hs30 até as 13 horas. De lá partimos para um terreno ao lado, onde ficamos ouvindo os tiros de seguranças que vinham em nossa direção, xingamentos e ameaças”, conta cacique Edinaldo.

O discurso do Poder Público é que a fábrica trará desenvolvimento para os três municípios da região de Mucatu. A perspectiva é que gere cerca de 800 empregos, mas “ao custo de desalojar 1.500 famílias e ocupar território indígena, de assentamentos. Que desenvolvimento é esse? Estão derrubando árvores, cavando o solo, fechando estradas de passagem nossa. Bichos estão aparecendo mortos e a água do subsolo corre risco de contaminação”, denuncia o cacique.

Território: cinco mil hectares só de bambuzal

A área contínua reivindicada pelos Tabajara abriga hoje sete grandes empreendimentos; dois resorts de luxo, um areal, um bambuzal de cinco mil hectares, usina de cana-de-açúcar, usina eólica e fazendas de monocultura – plantação de cana e criação de gado, essencialmente. Além dessas ocupações, o território abriga também assentamentos da reforma agrária e três comunidades quilombolas.
“Então agora se a Funai não tomar nenhuma medida, nosso território vai sofrer com mais uma invasão. O caso dos assentamentos e dos quilombolas pensamos de uma outra forma, mas não aceitamos essa fábrica porque daqui a pouco não tem mais nada de terra”, ataca cacique Edinaldo.

A liderança indígena esteve em Brasília para participar da Conferência Nacional de Juventude e denunciar as violências sofridas por seu povo. Na Funai, não conseguiu sequer audiência. O processo de identificação dos Tabajara foi concluído pelo órgão indigenista estatal no ano passado. Para o cacique, agora é preciso garantir a existência dos Tabajara em seu território de ocupação tradicional. A principal reivindicação dos indígenas é a instalação de um Grupo de Trabalho (GT) para identificação e demarcação das terras do povo numa região onde o contato com os colonizadores foi imediato após a invasão do novo continente e repleto de histórias da ação depredatória da sociedade envolvente sobre os índios.

Segunda demarcação: exigência dos Tabajara

A primeira demarcação do território Tabajara ocorreu em 1616, conforme mapa e livro de registro da Câmara de Jacoca. Era a chamada Sesmarias de Jacoca e Aratagui. O procedimento foi realizado pela coroa portuguesa em recompensa aos indígenas por terem ajudado na conquista da Paraíba, em 1585. A guerra era contra os holandeses e o povo indígena Potiguara. O cacique Pirajibe (nome que significa ‘braço de peixe’) pediu que as terras do seu povo não fossem mais invadidas e os Tabajara pudessem viver em paz.

Mais de 100 anos depois, em 1866, ocorre a segunda demarcação – feita pelo engenheiro Antonio Gonçalves Justa Araújo. A alegação era de que os indígenas se misturaram com os negros, portanto não havia mais tantos índios na área da primeira demarcação. Com isso, o engenheiro loteou todo o território indígena, alojou os povos originários num apanhado de lotes contínuos, forneceu ao exército nacional uma área e o restante do espaço foi considerado área devoluta ao governo.

Nas áreas devolutas, se instalaram as cidades de Conde, Alhandra e Pitimbu. As terras indígenas da segunda demarcação passaram a pertencer a esses municípios. Com a presença do ‘branco’ cada vez mais visceral, os indígenas passaram a ver suas terras roubadas e o povo sendo assassinado, caso dos antepassados mais diretos do cacique Edinaldo. O pior ainda estava por vir e estava incorporado numa família: os irmãos Lundgren.

Na Paraíba, os Lundgren montaram um império invadindo terras e praticando atrocidades contra os indígenas na primeira parte do século XX. Quem resistia morria ou era submetido a surras e espancamentos. O principal negócio dos irmãos era a tecelagem Rio Tinto, origem da conhecida rede Casas Pernambucanas e nome da cidade construída sobre uma aldeia Potiguara. Os anciãos desse povo nunca conseguiram contar as histórias desse período aos mais novos, tamanha dor daqueles tempos.

Para os Tabajara a situação não era diferente. Trabalhavam para os Lundgren ou morriam de fome. Se outrora viviam da pesca nas praias e rios, caçavam, coletavam e praticavam a agricultura, passaram a viver na fome, fora do território dos antepassados e sem nenhuma perspectiva de futuro. O povo foi empurrado para a aldeia Barra de Gramame, resistente até os dias de hoje, mas insuficiente para abrigar todos os indígenas. O caminho das periferias das cidades passou a ser a única saída.

“O que queremos são as terras da segunda demarcação, feita em 1866. Meu povo foi massacrado e exigimos o cumprimento da Constituição Federal. Fora que os empreendimentos não passaram por consulta prévia como prevê a Convenção 169, posto que foram erguidos em área indígena”, diz cacique Edinaldo.

Ameaça de morte: drama presente

O povo Tabajara vive o que o cacique chama de quinto momento. Em 21 de junho de 2006 tem início a luta com o levantamento da documentação histórica da etnia; 2007: cacique Edinaldo começa a consolidar alianças com o movimento indígena e indigenista; em 2008 tem início o reagrupamento Tabajara na Paraíba; o quarto ano, 2009, foi nomeado o da cultura com o aprofundamento dos rituais, do Toré, da pintura, da cosmologia, do modo de viver; 2010 e este ano marcam a identificação do povo pela Funai e o despertar dos Tabajara para o Brasil e mundo. A luta trouxe importantes vitórias, mas também uma realidade lamentável: as ameaças de morte.

Para ir ao aeroporto da capital paraibana, João Pessoa, e tomar o vôo a Brasília, na última semana, cacique Edinaldo precisou sair da área dentro do porta-malas de um automóvel. Sua vida está ameaçada por pistoleiros desde 2008 e a liderança já se refugiou junto a outros povos indígenas do país para não morrer. “Na grande Mucatu minha vida está por um fio nas mãos dos latifundiários. Queremos informar que perdemos lá o direito de circular livremente, mas não vamos desistir. Nosso objetivo é o território reivindicado”, encerra o cacique.

Fonte: EcoAgência

No total, são 750 índios da etnia dispersos nas periferias dos municípios de Conde, Alhandra e Pitimbu que compartilham o território indígena reivindicado.
No total, são 750 índios da etnia dispersos nas periferias dos municípios de Conde, Alhandra e Pitimbu que compartilham o território indígena reivindicado.


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