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Agricultura Urbana e Periurbana : qual o modelo que queremos e que podemos?

O processo é simples e o único pré-requisito é que o local garanta pelo menos quatro horas de exposição à luz solar. O plantio sobre telhas garante a impermeabilização e a adaptação da horta a qualquer espaço ou altura, de maneira a facilitar o manuseio da terra por qualquer pessoa. O custo para instalação de um canteiro é baixo – uma telha de cerca de três metros custa em média R$ 150,00 e já existem conversas com a indústria para a produção de telhas adaptadas para o plantio. “É preciso quebrar o paradigma de que não é possível plantar em ambiente urbano”, diz Marcos Victorino, criador do Projeto Plantando na Cidade.

As previsões mais recentes indicam que a população mundial atingirá ao final de outubro de 2011 a marca histórica de 7 bilhões de pessoas. Para atender a demanda de alimentos causada pelo aumento populacional e pelo aumento de renda das pessoas, o relatório Foresight The Future of Food and Farming (2011) estimou que a produção de alimentos deva crescer 40% nas próximas duas décadas para evitar o aumento da fome e da má nutrição no planeta Terra.

Quando a população urbana mundial superou a população rural no ano 2000, as agências internacionais de fomento a pesquisa e organizações não governamentais (ONGs) passaram a dar prioridade para pesquisas e projetos em hortas urbanas e periurbanas. Estes locais são vistos também como uma ferramenta que pode contribuir para o meio ambiente urbano e a busca de uma agricultura sustentável.

A palavra sustentabilidade entrou em moda nos últimos anos, mas o que exatamente ela significa? Em nosso entender, o princípio da sustentabilidade implica no uso dos recursos naturais numa taxa que não exceda a capacidade do planeta em repô-los. A sustentabilidade também deve estender-se sobre o recurso financeiro e humano.

A produção de alimento e o crescimento econômico devem criar riqueza suficiente para manter uma força de trabalho viável e saudável, tanto no campo quanto nas cidades. No Brasil, estes princípios não estão em equilíbrio, visto que a atividade agrícola atrai jovens a uma taxa menor que a necessária para a reposição dos agricultores.

A agricultura urbana pode ser definida como o cultivo de plantas e a criação de animais dentro do perímetro urbano das cidades. Por sua vez, a agricultura periurbana pode ser definida como o cultivo de plantas e a criação de animais ao redor do perímetro urbano ou ao redor das cidades.

O fato mais importante na agricultura periurbana que a diferencia da produção agrícola rural é que a primeira está integrada com a economia urbana e o meio ambiente das cidades. A agricultura urbana e periurbana estão encaixadas no ecossistema urbano e ativamente interagem com esse.

Por exemplo, estas atividades empregam trabalhadores que residem na área urbana das cidades, vende sua produção diretamente para o consumidor final nestes locais, tendo um importante papel no sistema de abastecimento de alimentos no meio urbano. Além disso, essa exploração agropecuária compete pela terra com outras atividades urbanas.

A interação da agricultura urbana e periurbana com as cidades são tão integradas que essas acabam sendo influenciadas pelas políticas públicas e pelo plano de desenvolvimento urbano. Para exemplificar essa inter-relação podemos recordar a revolução que a Lei 11.947 de 16 de junho de 2009 (Lei da Merenda Escolar) vem causando em diversos municípios.

Em seu Artigo 14, essa Lei estabeleceu que no mínimo 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, no âmbito do Plano Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar, do empreendedor familiar rural ou de suas organizações.

Ocorre que nos últimos anos, os prefeitos de inúmeras cidades estenderam a área urbana para praticamente 100% da área territorial do município, visando aumentar a arrecadação com o IPTU. Com isto, os agricultores urbanos e periurbanos não conseguem obter a Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP e não podem ser encaixados no âmbito do Artigo 14 desta Lei. Por essa razão, diversos municípios estão revendo seus planos de desenvolvimento e a Lei de Uso e Ocupação do Solo.

Mais recentemente, a Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos que atribui às prefeituras a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos gerados no município (Art. 10). Até agosto de 2014 (Art. 54), as prefeituras terão que implementar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos se quiserem ter acesso a recursos da União (Art. 18). Este tipo de agricultura pode representar um importante canal na reciclagem dos resíduos sólidos orgânicos dos municípios.

No conceito da agricultura urbana e periurbana há uma importante pilastra com o meio ambiente urbano porque os agricultores podem utilizar em determinadas situações os resíduos urbanos típicos como o lixo orgânico.

No Brasil, o levantamento do índice global de reciclagem do lixo urbano em 2005 apontou que 55% deste lixo é composto por matéria orgânica. De acordo com a CEMPRE (2011), apenas 3% do lixo sólido orgânico urbano gerado no Brasil é reciclado (compostado), enquanto para o lixo sólido seco urbano (lata de alumínio, papelão, papéis, plásticos, etc.) esse índice é de 18%.

As cidades brasileiras são pólos geradores de resíduos sólidos orgânicos, visto que mais de 82% da população brasileira vive em centros urbanos. Portanto, a situação brasileira é mais crítica do que a mundial no quesito urbanização.

O elevado índice de urbanização brasileiro representa um perigo para a produção agrícola urbana e periurbana, especialmente para os modelos mais difundidos de produção de alimentos em horta. Então, qual o tipo de horta que podemos ter em uma área urbana?

Seguramente a produção de hortaliças folhosas (alface, chicória, almeirão, agrião entre outras) cuja necessidade hídrica é maior, não será sustentável. O uso da água encanada da rede publica, para produzir, não é viável a longo prazo, visto que muitas regiões metropolitanas no Brasil já enfrentam falta de água para atender as necessidades básicas da população.

Neste sentido é necessário que projetos de políticas públicas que incentivem a captação da água de chuva para o uso na irrigação de hortas e jardins sejam criados. Um bom efeito colateral será a redução das enchentes em áreas urbanas se a água de chuva passar a ser armazenada em reservatórios privados para futuro uso.

Essa solução poderá ser muito útil em pouco tempo, mas desde já podemos produzir alimentos em áreas urbanas com culturas menos exigentes em irrigação e ou de ciclo mais longo. Por exemplo, o cultivo de diferentes tipos de aboboras, batata doce, mandioca, milho, feijão e quiabo entre outras, quando plantadas na época adequada são capazes de garantir a segurança alimentar de inúmeras pessoas que vivem no meio urbano e proporcionar segurança alimentar sem a necessidade de irrigações suplementares.

Além da preocupação com a origem da água a ser utilizada para a irrigação da agricultura urbana e periurbana, a exploração agrícola em grandes centros urbano ou próximos de grandes rodovias deve atentar também para a poluição do ar. Os combustíveis utilizados no Brasil são de qualidade inferior aos produzidos em outros países.

Desta forma, a quantidade de chumbo e enxofre presentes nos combustíveis está muitas vezes acima do aceitável para a saúde humana, e por causa disso, a qualidade de vida de milhões de brasileiros que vivem, especialmente, nas regiões metropolitanas é diretamente afetada.

Por isto também, a produção de alimentos de consumo fresco e sem processamento deve ser urgentemente revista pelos agentes públicos que fomentam a agricultura urbana e periurbana no Brasil. A geração de emprego e renda, além da garantia da segurança alimentar em regiões metropolitanas brasileiras está comprometida pela origem da água utilizada para a irrigação e pela poluição do ar.

Fomentar o desenvolvimento de hortas com a produção de hortaliças folhosas nestas condições pode favorecer a contaminação microbiológica, se a fonte de água utilizada para a irrigação estiver contaminada com esgoto, e envenenar a população com metais pesados.

Portanto, qual o modelo de agricultura urbana e periurbana que queremos e podemos fazer em nossas regiões metropolitanas? A resposta para essa pergunta não é fácil e nem deve ser única.

Contudo, considerar a produção de alimentos que não necessitem tanto de água, como os já citados anteriormente, e que não sejam consumidos “in natura” deve passar a fazer parte das considerações dos entes públicos. Isto vale inclusive para as hortas escolares e domésticas desenvolvidas em grandes centros urbanos.

O modelo a ser implementado pode considerar a produção de frutas nos centros urbanos. Não há levantamentos ou estatísticas oficiais da contribuição que as fruteiras plantadas ou de desenvolvimento espontâneo nos centros urbanos tem na segurança alimentar da população brasileira.

Entretanto, qual cidade no estado de São Paulo que não tem fruteiras em produção? Seja nos quintais, em praças e ruas ou avenidas, elas estão presentes. O tamanho da cidade não importa, pois em todas podemos encontrar inúmeros pés de fruteiras em plena produção.

Os exemplos de fruteiras encontradas no meio urbano são extensos e diversificados. Temos abacateiros, bananeiras, goiabeiras, laranjeiras, limoeiros, mamoeiros, mangueiras e árvores de nêsperas em plena produção na maioria das cidades.

Essas fruteiras não estão restritas apenas aos quintais, estes cada vez mais raras nas grandes metrópoles. Elas ocupam o meio fio das principais ruas e avenidas, ou estão em praças e jardins. Há outras fruteiras que encontramos com mediana frequência, como as amoreiras, jabuticabeiras e os pés de romã.

Outras menos frequentes, mas também presentes no meio urbano são os cacaueiros, as figueiras e jaqueiras entre outras. Quanto alimento é produzido por estas espécies de frutas que estão presentes em nosso dia a dia urbano?

Outras espécies podem compor o modelo brasileiro de agricultura urbana e periurbana. O que falar dos cafeeiros existentes e em produção nas cidades? O café colhido no meio urbano antes de ser torrado pode ser lavado para retirar a poeira de poluentes que existe nas grandes cidades. Será que não estaríamos assim criando uma nova “região de origem” para o café colhido maduro nas cidades por pessoas socialmente excluídas na urbanização?

Há ainda espécies da Mata Atlântica que já estão presentes em muitas cidades paulistas e que poderiam ser exploradas comercialmente em nossas praças ou ruas. Como exemplo, citaremos o urucum.

Seja qual for a espécie de fruteira a ser fomentada no meio urbano, não podemos esquecer-nos do Código Civil brasileiro. Quem será responsabilizado no caso de um abacate, que ao cair do abacateiro, venha a atingir um veiculo? O que dizer de uma jaca, que ao cair da jaqueira, atinja um transeunte.

Enfim, o modelo brasileiro de agricultura urbana deve ser pensado para empregar a mão-de-obra composta em sua maioria por pessoas excluídas do processo social urbano, seja pela idade ou pelo grau de escolaridade.

Além do objetivo trivial de garantir emprego, renda e segurança alimentar, o modelo brasileiro de agricultura urbana e periurbano deve atentar para a possibilidade de um melhor aproveitamento da água da chuva, seja pelo plantio das espécies na melhor época de cultivo, seja pela captação e armazenamento desta água em reservatório nas casas e prédios.

Este modelo deverá estar sintonizado ao Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para aproveitar os resíduos sólidos e orgânicos gerados pelas cidades para fertilizar a produção urbana e periurbana de alimentos.

Fonte:  Sebastião Wilson Tivelli / Eng. Agr., Dr., PqC da UPD_ SÃO ROQUE / APTA

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