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Lideranças Guarani Kaiowá fazem reza antes de iniciar audiência com a deputada Érika Kokay, na Câmara Federal, no dia 18 de agosto de 2022. Foto: Gabriel Paiva

Com escalada de violência nos territórios, indígenas cobram conclusão do julgamento sobre demarcações de terras no STF

Entre 15 e 19 de agosto, indígenas de três estados do país estiveram em Brasília denunciando o crítico cenário enfrentado pelos povos, principalmente no estado de Mato Grosso do Sul

Lideranças Guarani Kaiowá fazem reza antes de iniciar audiência com a deputada Érika Kokay, na Câmara Federal, no dia 18 de agosto de 2022. Foto: Gabriel Paiva

Por Mariana Oliveira, do Cimi

A longa espera por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca das demarcações de terras indígenas tem gerado graves consequências dentro dos territórios. Enquanto a Corte não julga o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – que definirá o futuro das Terras Indígenas (TI) de todo o país –, as vidas dos povos originários são diluídas e transformadas em sangue. Ser indígena significa lutar pelo território, pela manutenção de sua cultura, tradições e religião. Significa enfrentar uma batalha diária contra invasores dentro de suas próprias casas.

Por isso, povos indígenas de três estados do país – Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo – desembarcaram em Brasília (DF) no dia 15 de agosto para cobrar providências dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.

Ao longo de cinco dias – até o dia 19 de agosto –, os povos Guarani Kaiowá, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Tupi-Guarani, Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe tiveram uma extensa agenda na capital federal, passando pelo STF, pela Câmara Federal, pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), pela 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União (DPU).

Em todos os locais foram protocolados documentos com relatos sobre o atual cenário dos territórios indígenas de todo o país e com o pedido da imediata retomada e conclusão do julgamento do processo sobre demarcações. Com repercussão geral, ele definirá uma diretriz para todas as decisões e medidas relativas ao tema.

As lideranças também participaram do lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2021, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O evento ocorreu na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na última quarta-feira (17).

Supremo Tribunal Federal (STF)

Nesta sexta-feira (19), as lideranças se deslocaram até o STF e protocolaram, nos gabinetes de todos os ministros da Corte, um documento com a solicitação da retomada do julgamento do processo de repercussão geral. Em texto, as lideranças não esconderam a angústia e a expectativa para que o caso seja encerrado.

“É público e notório que os povos indígenas do Brasil vivem mais um momento de extremos ataques contra seus membros e seus territórios em várias regiões do país, em nossas comunidades este cenário não é diferente. Além da ausência de proteção do Estado brasileiro aos nossos territórios, enfrentamos, muitas vezes sozinhos, os impactos da pandemia da Covid-19 e da violência praticada por garimpeiros, madeireiros, pecuaristas contra nossas comunidades, como ocorreu em Mato Grosso do Sul nos massacres de Caarapó e Guapo’y Amambai”, afirmam as lideranças.

“Além da ausência de proteção do Estado brasileiro aos nossos territórios, enfrentamos, muitas vezes sozinhos, os impactos da pandemia da Covid-19 e da violência por invasores”

Ao final do documento, os indígenas manifestaram apoio ao STF e clamaram pela garantia do direito à terra, aos seus costumes e tradições, “bem como o acesso à justiça, conforme estabelecido pela Carta Magna brasileira”. Os indígenas também aproveitaram a passagem pelo STF para entregar nos gabinetes dos ministros o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2021.

Presente no STF, a vice-cacica Neuza, do povo Guarani Nhandeva, de Paraty (RJ), falou ao Cimi sobre a necessidade de concluir, o mais rápido possível, o julgamento. “Viemos ao STF falar, mais uma vez, sobre os riscos que estamos correndo perante a tese do marco temporal, uma proposta absurda. Essa semana foi muito difícil para nós. Passamos os dias escutando os relatos de nossos parentes, como os do Guarani Kaiowá, a insegurança que eles vêm sofrendo. A demora desse julgamento significa a morte dos nossos povos”, afirmou.

“Passamos os dias escutando os relatos de nossos parentes, como os do Guarani Kaiowá, a insegurança que eles vêm sofrendo”

Fabiano de Lima, do povo Tupi-Guarani, de Ubatuba (SP), também falou sobre o contexto de violência sofrido pelos povos indígenas de todo o país e reforçou que é preciso “enterrar de vez” a tese do marco temporal.

“Nossos territórios estão sendo invadidos e destruídos. Mas a gente vem lutando há muitos anos e pedimos o apoio também dos não-indígenas para que esse sistema político da morte pare”

“Nossos territórios estão sendo invadidos e destruídos. Mas a gente vem lutando há muitos anos e pedimos o apoio também dos não-indígenas para que esse sistema político da morte pare. Estivemos aqui em Brasília para denunciar esse contexto de violência e pedimos para que enterrem de vez o marco temporal. Que seja uma decisão favorável aos indígenas, os verdadeiros donos desse território”.

TI Nãnde Ru Marangatu: 17 anos sem resolução

Além da carta mencionada acima, os Guarani Kaiowá da TI Ñande Ru Marangatu, localizada em Mato Grosso do Sul, também protocolaram um documento relatando a escalada de violência enfrentada dentro do território. Aos ministros, as lideranças afirmaram que “a única possibilidade de resolução para os conflitos é a demarcação das terras indígenas tradicionalmente ocupadas” e que, por isso, deve ser revogada a medida liminar concedida pelo ministro Nelson Jobim no Mandado de Segurança 25.463.

“A única possibilidade de resolução para os conflitos é a demarcação das terras indígenas tradicionalmente ocupadas”

Na decisão, proferida em julho de 2005, o então ministro do STF suspendeu o decreto que havia homologado a TI do povo Guarani Kaiowá em março daquele mesmo ano. A liminar continua vigente, e há quase duas décadas o povo vive em parte ínfima do território já reconhecido como seu.

“O processo em questão tramita nesta Corte há 17 anos, sem uma resolução definitiva, embora já haja o entendimento pacífico e consolidado em relação a inviabilidade do manejo de mandado de segurança para tratar de demarcação de terras indígenas. Nesse sentido, é a presente para requerer a revogação da medida liminar concedida pelo Min. Nelson Jobim, visto que trará mais segurança à nossa comunidade neste cenário de violências que nos assolam todos os dias”, afirmam as lideranças em documento.

Atualmente, os Guarani Kaiowá enfrentam a intrusão de fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e da polícia militar de Mato Grosso do Sul dentro de seus territórios, que realizam “ataques covardes, utilizando-se de todo o aparato estatal para a repressão, inclusive helicópteros e armamento pesado, sem qualquer permissão judicial” – conforme mencionam em documento.

Câmara Federal

Um dia antes da ida ao STF, na quinta-feira (18), a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) – em nome da Liderança da Minoria –, representantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal receberam, na Câmara Federal, lideranças indígenas de três estados do país e representantes do Conselho Indigenista Missionário.

Os indígenas participaram de uma sessão de debates sobre o contexto de violência enfrentado dentro dos territórios, em especial no estado de Mato Grosso do Sul.  Estiveram presentes lideranças dos povos Guarani Kaiowá, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Tupi-Guarani, Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Durante a audiência, os indígenas protocolaram um documento que apresenta uma série de denúncias sobre as ameaças e perseguições sofridas por eles. Perante o grave contexto, as lideranças também pediram para que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue, o quanto antes, o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 – que trata das demarcações dos territórios indígenas de todo o país.

“É permanente a tentativa de apropriação dos nossos corpos, da terra onde vivemos e dos recursos naturais que protegemos, a exemplo dos ataques diretos de garimpeiros, madeireiros e fazendeiros. Não bastasse isso, tem sido recorrente a apresentação de propostas legislativas e atos do Executivo que visam flexibilizar os nossos direitos”, diz um trecho do documento protocolado na Câmara Federal – lido, inclusive, pela deputada Erika Kokay durante a audiência.

“É permanente a tentativa de apropriação dos nossos corpos, da terra onde vivemos e dos recursos naturais que protegemos, a exemplo dos ataques diretos de garimpeiros, madeireiros e fazendeiros”

No mesmo texto, as lideranças lembraram dos frequentes ataques e perseguições no estado de Mato Grosso do Sul, como os Massacres de Caarapó e de Guapo’y. “Temos perdido nossos parentes, a exemplo do jovem indígena Alex Recarte Vasques Lopes, de 18 anos, do povo Guarani Kaiowá, assassinado em 21 de maio de 2022. Muitos de nós estão ameaçados de morte”. Na sequência, as lideranças solicitaram a presença e atuação de deputados federais e senadores em Mato Grosso do Sul para que o cenário de violência no estado seja amenizado.

Por fim, os indígenas também pediram que o julgamento do caso de repercussão geral sobre demarcações de terras indígenas seja concluído pelo STF e que sejam tomadas medidas efetivas de proteção dos territórios, comunidades e dos indígenas ameaçados de morte.

“Compreendemos que a conclusão do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365 e a pacificação do entendimento do STF em relação à posse das terras ocupadas tradicionalmente por nós, há séculos, em consonância com a vontade firmada pelos Constituintes em 1987/1988, pode vir a contribuir com a redução das violências que vitimam nossas crianças e nossa cultura”, reivindicam os indígenas.


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