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Polinização: uma força natural ameaçada

Estudo aponta: 12% das exportações brasileiras dependem de agentes polinizadores como as abelhas. Essenciais à agricultura e biodiversidade, país ignora seu potencial – e desmatamento e venenos criam risco fatal ao ecossistema

Publicado 28/09/2021 às 15:39 – Atualizado 28/09/2021 às 15:40

por Felipe Deodato da Silva e Silva, em entrevista ao IHU Online

Assim como alguns estudos indicam a quantidade de água que o Brasil exporta ao fabricar e exportar seus produtos, o estudo interdisciplinar de um grupo de pesquisadores analisa o serviço ecossistêmico da polinização envolvido na exportação dos produtos brasileiros, a fim de verificar o Fluxo Virtual de Polinização, isto é, “o quanto o serviço de polinização de um país beneficia o consumo agrícola de outros países (e vice-versa)”. Segundo Felipe Deodato da Silva e Silva, um dos autores da pesquisa, que foi publicada na revista Science Advances, os países mais ricos demandam os produtos que mais dependem dos polinizadores, enquanto os países menos desenvolvidos consomem produtos básicos, que não dependem desse serviço ecossistêmico.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o economista pontua que, embora no Brasil ainda existam ecossistemas que abriguem abelhas nativas e outros polinizadores que atuam na agricultura, “eles nem sempre são reconhecidos e valorizados”. Ao contrário, adverte, “a agricultura tem aumentado a produção via ganhos de produtividade com tecnologias, tais como melhoramento genético e insumos químicos, e pela expansão agrícola que resulta no desmatamento”. Para atender aos mercados internacionais, informa, “os países mais pobres acabam adotando formas economicamente mais viáveis de aumentar a produção, que provavelmente envolvem expansão de terras agrícolas. Com isso, perdem-se as áreas naturais e os serviços prestados pelos ecossistemas, tais como polinização agrícola e controle biológico. Dessa forma, tais ganhos, que não são facilmente reconhecidos pelos produtores, acabam por ser compensados por meio de mais intensificação e/ou expansão de terras, criando, assim, uma espécie de ciclo vicioso”.

Felipe Deodato da Silva e Silva (Foto: Arquivo pessoal)

Felipe Deodato da Silva e Silva é graduado em Ciências Econômicas e em Ciências Contábeis, mestre em Agronegócios e Desenvolvimento Regional na Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – CDS/UnB. Atualmente, leciona Economia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso – IFMT, no campus de Barra do Garças.

Confira a entrevista

Em que consiste a ideia de “Fluxo Virtual de Polinização”, que foi tema da sua pesquisa?

Nós nos inspiramos no conceito de fluxo virtual de água, que consiste em identificar a quantidade de água usada na fabricação de produtos exportados e, assim, quantificar o volume de tal recurso que é virtualmente exportado para outros países. Aplicamos essa ideia no caso da polinização agrícola, que consiste em um serviço ecossistêmico em que o pólen de uma flor é transferido para outra flor, resultando na fecundação e produção de frutos, sementes e fibras.

Geralmente esse serviço é desempenhado por polinizadores, dentre eles, as abelhas nativas. Com base na vasta literatura sobre o tema, é possível identificar o quanto a produção de um determinado cultivo depende dos polinizadores. Assim, é possível representar esse serviço a partir da produção resultante da ação dos polinizadores. Com base em dados de comércio internacional, estimamos o quanto dessa produção foi comercializada entre os países e, então, denominados de fluxo virtual de polinização. Em outras palavras, é o quanto o serviço de polinização de um país beneficia o consumo agrícola de outros países (e vice-versa).

O seu estudo afirma que “o mercado global, em particular os países mais desenvolvidos, estão demandando excessivamente os serviços de polinização dos países em desenvolvimento”. Pode nos explicar essa ideia? Como essa relação de demandante e demandado ocorre?

Os produtos mais dependentes de polinizadores são aqueles que possuem um preço internacional mais elevado e representam uma dieta mais diversificada. São eles: frutas, legumes, café, baunilha etc. Dessa forma, os países mais ricos possuem poder aquisitivo mais elevado para demandar tais produtos e, assim, manter um consumo mais diversificado. Por outro lado, os países mais pobres demandam mais os produtos de necessidade básica (milho, arroz, trigo etc.), que são mais baratos e não dependem de polinizadores para a sua produção.

Dessa forma, regiões onde ainda existem uma biodiversidade e ecossistemas provedores de polinização são também aquelas que mais cultivam produtos dependentes de polinizadores e que são comercializados internacionalmente, como, por exemplo, café e cacau na Costa do Marfim, ou frutas e café na Costa Rica, e até mesmo frutas e oleaginosas aqui no Brasil.

Segundo a pesquisa, “no caso do Brasil, os serviços de polinização são fortemente destinados para Europa e Estados Unidos principalmente devido ao mercado de café, soja, laranja, maçã, melancia, manga, abacate, entre outros”. Que diferenças há nesse serviço de polinização em um país como o Brasil e os locais para onde os produtos brasileiros são destinados, como EUA e países da Europa?

No Brasil ainda há ecossistemas que abrigam abelhas nativas e outros polinizadores nativos que atuam fortemente na agricultura. Eles nem sempre são reconhecidos e valorizados. Há pesquisas que indicam o benefício da polinização em culturas como feijão e soja, mas que ao mesmo tempo são prejudicadas pelo intenso uso de pesticidas e desmatamento. Nos EUA e Europa é muito comum o uso de abelhas manejadas em cultivos como amêndoas, maçã e tomate, inclusive há um comércio de caixas de abelhas para sustentar tais cultivos. No entanto, o manejo de abelhas é um complemento ao serviço oferecido gratuitamente pela natureza e, por isso, precisamos conservar o que temos. No entanto, o custo da conservação, restauração e de outras práticas amigáveis aos polinizadores ainda é elevado para grande parte dos produtores brasileiros. Por isso, é importante pensarmos em como viabilizar a proteção aos polinizadores.

Fluxo de polinização virtual dos países em desenvolvimento para a Europa, América do Norte e Japão.
Fluxo de polinização virtual do Brasil para seus parceiros comerciais.

De acordo com o estudo, “são exatamente os países mais pobres (com menor Índice de Desenvolvimento Humano) que mais expandem os campos agrícolas de culturas que dependem da polinização, à custa de habitat natural”. Quais são os problemas relacionados a essa questão?

Tradicionalmente, a agricultura tem aumentado a produção via ganhos de produtividade com tecnologias, tais como melhoramento genético e insumos químicos, e pela expansão agrícola que resulta no desmatamento. Para atender aos mercados internacionais, os países mais pobres acabam adotando formas economicamente mais viáveis de aumentar a produção, que provavelmente envolvem expansão de terras agrícolas. Com isso, perdem-se as áreas naturais e os serviços prestados pelos ecossistemas, tais como polinização agrícola e controle biológico. Dessa forma, tais ganhos, que não são facilmente reconhecidos pelos produtores, acabam por ser compensados por meio de mais intensificação e/ou expansão de terras, criando, assim, uma espécie de ciclo vicioso. Somadas a isso, as leis ambientais nos países mais pobres não são facilmente aplicáveis, pois o custo de se fazer cumprir é muito alto para os governos locais. Assim, entende-se que se não houver maior compreensão dos benefícios que recebemos da natureza por parte de produtores, formadores de políticas públicas e da população em geral, tais processos de conversão de terra natural em cultivos irão se intensificar.

Como o atual modelo agrícola e em particular o agronegócio impactam os polinizadores?

O modelo atual baseado em insumos químicos e produção em larga escala impacta os polinizadores quando eles vão coletar recursos nas flores ao longo do campo agrícola e são contaminados pelos pesticidas. Muitos retornam para a colmeia com essas substâncias e contaminam as outras abelhas. Além disso, o desmatamento destrói os locais onde elas criam seus ninhos e coletam seus recursos. Por isso, cada faixa de vegetação importa. Eu vejo produtores desmatando e plantando soja até a beirada da rodovia. Faixas de vegetação, mesmo que pequenas, são extremamente importantes para os polinizadores.

O que a sua pesquisa evidencia acerca da importância da conservação da biodiversidade para o consumo global de produtos agrícolas?

A polinização é um serviço baseado na biodiversidade. Muitos cultivos são dependentes da biodiversidade local para ter produção, como, por exemplo, o açaí e a castanha-do-pará. O comércio global evidencia como os países desenvolvidos dependem desse comércio para abastecer o seu consumo, mas também como os países em desenvolvimento dependem desse mercado para girar a sua economia. É importante pontuar que não devemos demonizar o comércio em si, mas pensar em como torná-lo mais sustentável, buscando compartilhar as responsabilidades da conservação entre produtores e consumidores.

Qual é a proporção da exportação agrícola brasileira que resulta diretamente da ação dos polinizadores?

Atualmente, 12% das exportações brasileiras dependem diretamente dos polinizadores, com destaque para a soja, que é uma cultura dependente de polinizadores.

Participaram da pesquisa também pesquisadores das áreas de Economia, Ecologia, Ciências Ambientais e Ciências Sociais. Qual é a importância de analisar essa temática de um ponto de vista interdisciplinar? Quais são os ganhos desse tipo de análise?

Problemas complexos da realidade precisam de olhares de diferentes disciplinas para compreender a sua amplitude. Eu sou economista e tive que aprender muito sobre biologia e ecologia para entender a temática da polinização.

Deseja acrescentar algo?

Eu gostaria muito que divulgassem a ferramenta que foi elaborada pelo Karlo Guidoni-Martins, coautor do artigo [publicado na Revista Science Advances sobre Fluxo Virtual de Polinização], que mostra os fluxos virtuais de polinização, bem como o estudo como um todo, nas redes sociais. Eu gostei muito de ver que a comunidade acadêmica está cada vez mais compartilhando conhecimento científico nesses canais e, assim, levando a ciência para mais perto da população. A ferramenta interativa foi pensada com esse propósito, para que pessoas de diversas áreas pudessem conhecer as conexões existentes entre os países.

Além de mim, os demais autores do estudo são Luísa G. Carvalheiro (UFG), Frédéric Mertens (UnB), Karlo Guidoni-Martins (Universidade Federal de Goiás – UFG, Brasil), J. Aguirre-Gutiérrez (Universidade de Oxford, Reino Unido) e Marc Lucotte (Universidade do Quebec em Montreal, Canadá).

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Apoio do Distrito Federal (FAPDF, Brasil), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Brasil), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Brasil), pelo Lisboa2020 FCT/EU (Portugal) e pela Organização Holandesa para Pesquisa Científica (NWO, Netherlands).

Fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/polinizacao-uma-forca-natural-ameacada/


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