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Brasil, de líder à pária internacional do meio ambiente

Nos 40 anos de vigência da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente há pouco a comemorar, a não ser o fato de que a influência nociva da gestão Bolsonaro tem data marcada para terminar

Lei que é a espinha dorsal da Política Nacional de Meio Ambiente completa 4 décadas nesta terça-feira (31). Acima, as torres do Congresso Nacional com projeção em homenagem ao Dia do Meio Ambiente, em junho. Foto: Roque de Sá/Agência Senado.

por Carlos Bocuhy, via O ECO

A Lei 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), completa hoje, 31 de agosto, 40 anos. Sua criação retrata o espírito de seu tempo. 

Foi promulgada nos primórdios do Antropoceno, sete anos antes de 1988, ano em que o planeta extrapolou a capacidade de suporte planetária no uso de materiais extraídos na natureza. 

A criação da Lei da PNMA, naquele momento político, ocorreu quase que diretamente como uma reação à negativa imagem internacional do Brasil, como consequência dos sucessivos planos de desenvolvimento nacional do governo militar, que permitiram à Transamazônica sangrar a maior floresta e refúgio de biodiversidade planetária. 

O desgaste da devastação, cujas imagens circularam pelo mundo, exatamente como ocorre agora, só fez confirmar o vexame ambiental internacional protagonizado pela representação brasileira na Conferência de Estocolmo, em 1972, quando o Brasil declarou publicamente sua posição de crescimento a qualquer custo. Naquela época, apenas três países contavam com legislação ambiental strictu sensu: Estados Unidos, Suíça e Noruega.

Foi graças à nova postura, evidenciada em 1981 pela Lei da PNMA, que o Brasil passou a se alinhar às tendências mais progressistas e se tornou uma liderança ambiental respeitada. Essa postura conceitualmente correta empoderou o Brasil com um reconhecido soft power, que o colocou na condição de liderança junto às nações mais ricas e desenvolvidas do planeta. Culminou por sediar e liderar as negociações internacionais durante a conferência Rio 92. 

O Brasil alçou voo como liderança internacional em uma década e permaneceria sem sombra de dúvida nesta posição privilegiada, se não fosse a derrocada negacionista protagonizada pela gestão Bolsonaro desde 2019, que levou o país ao isolamento e à condição de pária ambiental internacional.      

O Brasil fez juz aos avanços diante da comunidade internacional em função de sua legislação considerada uma das mais avançadas do mundo. A Lei 6.938/1981 não se restringe apenas à evolução de leis temáticas anteriores, mas foi além de forma inovadora, ao abrigar uma visão sistêmica de sustentabilidade ambiental. 

A história é rica em detalhes. A Carta Régia de 1800 determinava a conservação de todas as espécies de madeira de interesse da Coroa numa faixa de 10 léguas da costa, dando origem à fiscalização a cargo da Patrulha Montada e de um “Juiz Conservador”. Essas premissas foram seguidas pelas instruções de reflorestamento de José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1802. 

Ensaiavam-se os primeiros passos para o reconhecimento dos direitos difusos e do pacto intergeracional que está na essência da sustentabilidade. Ressalto apenas o caráter pragmático daqueles tempos, com uma preocupação voltada à manutenção das condições naturais para a sobrevida das metrópoles, desafio que já se desenhavam na ocupação do território, especialmente no planalto de Piratininga.  

O Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) está imbricado no espírito da lei e nos conceitos sistêmicos que a Lei 6038/1981 inaugurou, ao abordar de forma interativa e transversal o meio ambiente: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Lançou também as diretrizes primordiais da gestão participativa e do controle social em matéria ambiental, ao criar o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e dotá-lo de poderes para editar normas e padrões para a proteção ambiental. 

A plena gestão participativa, determinada pela Constituição Federal de 1988, recepcionou e consolidou a percepção sistêmica e de participação inaugurada pela Lei 6938/1981 dentro de seu Capítulo de Meio Ambiente. Estes conceitos continuam sendo a pedra angular da qual derivam hoje tratados internacionais evoluídos para a interação da área ambiental com direitos humanos, a exemplo do Acordo de Escazú, que entrou em vigor em 2021, quarenta anos depois da Lei 6938/1981. Elaborado com forte contribuição do Brasil, enfrenta dificuldades para sua ratificação diante dos retrocessos impressos pelo atual governo de Jair Bolsonaro.

Em que pese haver sido gerada em pleno governo militar para redimir erros grosseiros de planejamento territorial, a Lei 6.938/1981 tem hoje, como principal entrave, o próprio governo federal novamente sob influência militar. Sob o comando de um ex-capitão e um general, o governo abriga em seus quadros cerca de 6.000 militares, em posições-chave que vão de ministérios a estatais. 

Assim, a lei que foi criada como reação para resgatar a boa imagem do Brasil durante o governo militar em 1981 vem sendo desrespeitada pelo atual governo de Bolsonaro, de perfil militarizado, que segue neutralizando seus efeitos benéficos e retroagindo em conquistas ambientais, destruindo novamente, neste século, a imagem do Brasil. 

Segundo o estudo “A Militarização da Administração Pública no Brasil:  Projeto de Nação ou Projeto de Poder?” do cientista político Willian Nozaki, a ocupação de cargos pelos militares não se associa a uma notória especialização, o que é uma condição fundamental para a gestão ambiental. 

A Lei da PNMA determina, em seu art 4º, VI “à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida”. No atual governo, há evidente falta de aplicação e execução de multas ambientais. Além disso, houve uma substituição das funções primordiais de fiscalização especializada do Ibama no combate ao desmatamento na Amazônia por contingente do Exército Nacional, que por falta de inadequação, expertise e inteligência operacional vem apresentando baixos resultados. Recente pesquisa demonstra que a eficácia do controle do desmatamento é menor nos locais onde as tropas da operação Garantia da Lei e da Ordem (GLO) estão sediadas.   

Logo no início da gestão Bolsonaro, Antonio Oviedo, pós-doutor em Políticas Públicas e Gestão Ambiental, afirmava em contundente entrevista: “Atualmente, entre as principais propostas abarcadas pelas medidas provisórias, decretos do governo federal e projetos de lei, estão a desestruturação dos órgãos ambientais e indigenistas, a exploração de recursos naturais em terras indígenas, como minérios; a flexibilização do licenciamento ambiental; o interesse pela revisão de todas as 334 unidades de conservação federais visando recategorizar algumas, mudar traçados de outras e até extinguir áreas protegidas; e as tentativas de redefinir os critérios para demarcação de Terras Indígenas”.

A importante gestão participativa representada no Conama, criado pela Lei 6938/1981, sofreu um esfacelamento em função de um novo decreto regulamentador do governo, que alijou representações indígenas, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e de trabalhadores, entre outras. Essa alteração produzida pela política antiambiental do governo é objeto da ADPF 623 impetrada pelo Ministério Público, ainda na gestão da procuradora-geral da República Raquel Dodge, e que segue em julgamento no Supremo Tribunal Federal. O voto da relatora ministra Rosa Weber é esclarecedor: 

“A legalidade democrática é recente na história da política e do constitucionalismo, por isso requer cuidados e constante vigilância. A supressão de marcos regulatórios democráticos e procedimentais mínimos, que não se confunde com a sua reformulação, configura quadro normativo de aparente retrocesso institucional no campo da proteção e defesa dos direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado… Provoca-se a impressão de um efeito cumulativo de decadência dos atributos básicos da democracia constitucional que podem conduzir ao fenômeno da subversão sub-reptícia.”

Portanto, nos 40 anos de vigência da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente há pouco a comemorar, a não ser o fato de que a influência nociva da gestão Bolsonaro tem data marcada para terminar. Há esperança de que ocorra uma renovação para gestões mais inteligentes e proativas, que possam reestabelecer a normalidade ambiental e favorecer o Brasil e seu riquíssimo patrimônio ambiental, do qual a Lei 6.938/1981 continua a ser a grande guardiã.

Vida longa à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente!

Fonte: https://www.oeco.org.br/colunas/brasil-de-lider-a-paria-internacional-do-meio-ambiente/


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