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Pluma de metano detectada pela Nasa no verão de 2020, identificada como um vazamento de gás na Califórnia. O operador conseguiu confirmar e reparar o vazamento — Foto: NASA/JPL-CALTECH

A luta para combater ‘nuvens’ de metano tão grandes que podem ser vistas do espaço

Avanços tecnológicos permitem que frota de satélites cada vez maior tente ajudar a conter esses vazamentos identificando-os do espaço; para especialistas, missão é vital na luta contra aquecimento global.


Pluma de metano detectada pela Nasa no verão de 2020, identificada como um vazamento de gás na Califórnia. O operador conseguiu confirmar e reparar o vazamento — Foto: NASA/JPL-CALTECH
Pluma de metano detectada pela Nasa no verão de 2020, identificada como um vazamento de gás na Califórnia. O operador conseguiu confirmar e reparar o vazamento — Foto: NASA/JPL-CALTECH

Por Cheryl Katz, BBC, extraído do G1

Deter os vazamentos de metano de aterros, campos petrolíferos, tubulações de gás natural e outras fontes é uma das ferramentas mais poderosas que temos para reduzir rapidamente o aquecimento global.

A ameaça era invisível para os olhos: toneladas de metano subindo para o céu, escapando de gasodutos de gás natural serpenteando pela Sibéria. Tempos atrás, as plumas de potentes gases do efeito estufa liberados pelas operações petrolíferas russas no ano passado poderiam haver passado despercebidas. Mas, equipado com novas e poderosas tecnologias de imagens, um satélite “caçador” de metano “farejou” as emissões e as rastreou até as suas fontes.

Graças aos rápidos avanços tecnológicos, uma frota de satélites cada vez maior tenta agora ajudar a conter esses vazamentos identificando-os do espaço. A missão é vital e diversos relatórios recentes fizeram soar o alarme cada vez mais urgente para o corte das emissões de metano.

Embora tenha vida mais curta e seja menos abundante que dióxido de carbono (CO2), metano é muito mais poderoso na captura de calor e seu impacto sobre o aquecimento global é mais de 80 vezes maior (que o CO2) a curto prazo. Cerca de 60% das emissões mundiais de metano são produzidas por atividades humanas – a maior parte, da agricultura, descarte de resíduos e produção de combustível fóssil. Segundo estimativas do Fundo de Defesa do Meio Ambiente (EDF, na sigla em inglês), o metano gerado pela atividade humana é responsável por pelo menos 25% do aquecimento global atual.

Estancar essas emissões é a nossa maior esperança para frear rapidamente o aquecimento global, como destaca a nova Avaliação do Metano Global (em tradução livre do inglês), do Programa Ambiental das Nações Unidas.

“Esta é a ferramenta mais poderosa que temos para reduzir o aquecimento global e todos os efeitos decorrentes das mudanças climáticas nos próximos 30 anos”, afirma Drew Shindell, professor de Ciências da Terra da Universidade de Duke e o principal autor do relatório da ONU. Os cientistas salientam que reduções consideráveis de dióxido de carbono e metano são fundamentais para evitar mudanças climáticas extremas. “Elas não substituem a redução de CO2, mas a complementam”, segundo Shindell.

Apesar da pandemia, 2020 presenciou o maior salto já registrado das concentrações de metano na atmosfera em um ano.

Segundo a avaliação da ONU, as cerca de 380 milhões de toneladas de metano liberadas anualmente por atividades humanas poderiam ser reduzidas praticamente pela metade nesta década com os métodos disponíveis — e que são, em sua maioria, economicamente viáveis. Isso evitaria cerca de 0,3 °C de aquecimento até os anos 2040 — e ganharíamos tempo precioso para controlar as emissões de outros gases do efeito estufa.

Os ganhos mais fáceis podem ser obtidos reparando-se vazamentos em tubulações, impedindo liberações deliberadas — como a ventilação de gases indesejados de sondas de perfuração — e outras ações na indústria do petróleo e gás, segundo o relatório da ONU. A captura de gases de materiais em decomposição em aterros e a redução das emissões de gases de ruminantes em rebanhos também ajudariam.

No momento, entretanto, a tendência é seguir na direção oposta: a concentração de metano na atmosfera da Terra vem crescendo ao longo dos últimos cinco anos, segundo o Índice Anual de Gases do Efeito Estufa (em tradução livre do inglês) da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês).

E, apesar da pandemia, 2020 presenciou o maior salto já registrado em um ano. As causas do recente pico são incertas, mas podem incluir fraturamento hidráulico (“fracking”) de gás natural, aumento das emissões de micróbios produtores de metano estimulado pela elevação das temperaturas ou uma combinação de fontes naturais e de origem humana.

Satélites detectaram vazamentos de metano em todo o mundo, incluindo em tubulações de gás em países como o Cazaquistão — Foto: COPERNICUS/KAYRROS
Satélites detectaram vazamentos de metano em todo o mundo, incluindo em tubulações de gás em países como o Cazaquistão — Foto: COPERNICUS/KAYRROS

Tudo isso, segundo os especialistas, enfatiza a necessidade de rastrear e eliminar todos os vazamentos ou fontes que podem ser controlados. Mas o rastreamento das emissões até a sua fonte não é uma tarefa fácil. Os vazamentos muitas vezes são intermitentes e passam facilmente despercebidos. Os sensores terrestres podem detectá-los em áreas locais, mas sua cobertura é limitada. Pesquisas com aviões e drones são caras e demoradas e o acesso aéreo é restrito em boa parte do mundo.

É aqui que entra uma sofisticada frota de satélites — alguns lançados recentemente e outros a serem colocados em órbita em breve.

Um conjunto de satélites lançados por agências espaciais nacionais e companhias privadas ao longo dos últimos cinco anos aprimorou nosso conhecimento sobre quais vazamentos de metano estão ocorrendo e onde.

Nos próximos dois anos, novos projetos de satélites estão programados para lançamento — incluindo o Mapeador de Carbono (“Carbon Mapper”), uma parceria público-privada da Califórnia, e o MethaneSAT, uma subsidiária do Fundo de Defesa do Meio Ambiente — que ajudarão a preencher o quadro com alcance e detalhes sem precedentes.

Segundo os especialistas, esses esforços serão fundamentais, não apenas para identificar vazamentos, mas também para desenvolver normas e orientar sua execução, duas medidas seriamente em falta.

“Você não pode reduzir o que não consegue medir”, afirma Cassandra Ely, diretora da MethaneSAT.

Satélites mais antigos, como o Gosat, da Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial, lançado em 2009, conseguiam detectar metano, mas sua resolução não era suficiente para identificar as fontes específicas.

Mas a tecnologia espacial agora está avançando rapidamente, ampliando a resolução dos sensores, reduzindo seu tamanho e atingindo uma série de capacidades de ponta. Novos e poderosos olhos nos espaço incluem o Sentinel 5P da Agência Espacial Europeia (lançado em 2017), o Prisma da Agência Espacial Italiana (lançado em 2019) e os sistemas operados pela companhia privada canadense GHGSat (com satélites lançados em 2016, 2020 e 2021).

Companhias como a francesa Kayrros estão usando inteligência artificial para amplificar a formação de imagens via satélite, ao lado de dados aéreos e terrestres, para fornecer relatórios detalhados sobre metano.

No ano passado, satélites “caçadores” de metano fizeram várias descobertas preocupantes. Entre elas: apesar da pandemia, as emissões de metano de operações de petróleo e gás na Rússia aumentaram em 32% em 2020. Os satélites também observaram liberações consideráveis em gasodutos do Turcomenistão, um aterro em Bangladesh, um campo de gás natural no Canadá e em minas de carvão na Bacia dos Apalaches, nos Estados Unidos.

A todo momento, segundo a Kayrros, existem cerca de cem vazamentos de metano em alto volume em todo o mundo, além de uma enorme quantidade de vazamentos menores que aumentam significativamente o volume total. Observar as emissões do espaço em escala global fornece “uma nova e importante ferramenta para combater as mudanças climáticas”, segundo a Agência Espacial Europeia.

Agora, o Mapeador de Carbono está desenvolvendo o que promete ser a ferramenta mais precisa e sensível já criada para localizar fontes pontuais. O projeto pretende lançar dois satélites em 2023, aumentando até atingir uma constelação de até 20 satélites que fornecerão monitoramento de metano e CO2 quase constante em todo o mundo.

Os parceiros incluem o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, o Conselho de Recursos Atmosféricos da Califórnia, a companhia privada de satélites Planet, universidades e organizações sem fins lucrativos, com financiamento de grandes doadores privados, como a Bloomberg Philanthropies.

A inspiração é a atual ausência de monitoramento global, afirma Riley Duren, cientista de sensoriamento remoto da Universidade do Arizona e executivo-chefe do Mapeador de Carbono. “Não há uma única organização que tenha a cultura institucional, a autorização e os recursos necessários para fornecer um sistema de monitoramento operacional para gases do efeito estufa”, segundo Duren. “Pelo menos não no prazo necessário.” Duren compara o Mapeador de Carbono com o Sistema Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos, pois ele fornecerá um “serviço público essencial” com seu monitoramento contínuo e rotineiro de gases do efeito estufa.

Regiões que não produzem petróleo ou gás também possuem grandes concentrações de metano, potencialmente devido à manutenção das tubulações — Foto: CRÉDITO: COPERNICUS/KAYRROS/US EIA
Regiões que não produzem petróleo ou gás também possuem grandes concentrações de metano, potencialmente devido à manutenção das tubulações — Foto: CRÉDITO: COPERNICUS/KAYRROS/US EIA

O foco principal do projeto é encontrar os superemissores, afirma Duren. Ele e seus colegas conduziram um estudo anterior por meio de pesquisas com aviões sensores de metano em operações de petróleo e gás, aterros, estações de tratamento de esgoto e áreas agrícolas na Califórnia e concluíram que cerca de metade das emissões de metano do Estado vêm de menos de 1% da sua infraestrutura. Os aterros produziram a maior parcela do total das emissões do Estado, segundo a pesquisa, seguidos pela agricultura e, em seguida, por petróleo e gás.

A pesquisa indicou a necessidade de “escalonamento e operacionalização global, indo para o espaço”, afirma Duren. Os satélites empregarão espectrômetros de “hiperespectro” projetados pelo Laboratório de Propulsão a Jato, que, segundo o website do projeto, fornecerão “sensibilidade, resolução e versatilidade sem paralelo”. Os satélites, do tamanho de frigobares, serão capazes de localizar emissões com precisão de até 30 m, suficiente para identificar o equipamento específico que está causando o vazamento.

Quando forem detectadas emissões, os assinantes de um serviço de alerta rápido serão notificados em até 24 horas pela Planet, uma operadora de satélites privada com sede em San Francisco que construirá e administrará os satélites Mapeadores de Carbono.

Os satélites reforçarão o monitoramento do Conselho de Recursos Atmosféricos da Califórnia com cobertura mais ampla e frequente, afirma John Herner, chefe do programa de monitoramento de emissões do Conselho. O monitoramento agora é feito uma vez por trimestre, segundo ele. Quando a constelação completa de satélites Mapeadores de Carbono for lançada, será feito quase diariamente. “Teremos um controle muito melhor do que está acontecendo [e] quando”, afirma Herner, “e poderemos cuidar de eventuais vazamentos com mais rapidez.”

Também estará se unindo aos “caçadores” em órbita o satélite MethaneSAT, que varrerá áreas mais amplas — até 200 km por faixa, mas com menor resolução, de 100 m. Este programa utiliza um algoritmo especial que calcula a taxa de fluxo a partir dos dados do satélite. “Por isso, em vez de apenas fotografar, na verdade você consegue um filme”, segundo a diretora da MethaneSAT, Cassandra Ely. Isso é inédito em sensoriamento por satélite e um trunfo no rastreamento de plumas sopradas pelo vento até a sua fonte, afirma ela.

O MethaneSAT se concentrará na indústria global de petróleo e gás e pretende ser suficientemente sensível para revelar a enorme quantidade de pequenos vazamentos de metano que podem representar a maioria das emissões, afirma Ely. As descobertas serão fornecidas para operadores da indústria, reguladores, investidores e para o público, quase em tempo real. Os dados, segundo ela, ajudarão a “priorizar o que fizer mais sentido em termos de redução e mitigação das emissões”.

Mas, embora a capacidade global de eliminar emissões de metano esteja crescendo, as políticas globais necessárias para fazer algo sobre isso ainda não foram tomadas.

Uma pluma de metano detectada pela Nasa no verão de 2020 identificou uma linha de vazamento de gás na Califórnia. O operador conseguiu confirmar e reparar o vazamento — Foto: NASA/JPL-CALTECH
Uma pluma de metano detectada pela Nasa no verão de 2020 identificou uma linha de vazamento de gás na Califórnia. O operador conseguiu confirmar e reparar o vazamento — Foto: NASA/JPL-CALTECH

Grande parte da abordagem atual de controle de metano depende de ações voluntárias da indústria de petróleo e gás. Os satélites podem ajudar com isso, segundo Shindell, o principal autor do relatório da ONU, e outros, identificando vazamentos que, se estancados, trarão economia ou lucros para essas companhias. “Se você capturar o metano em vez de deixá-lo escapar para a atmosfera, isso será muito útil”, afirma Shindell. “Por isso, existe um bom incentivo financeiro para evitar o desperdício.”

Mas, se os preços do gás não forem suficientemente altos, os operadores podem achar que as despesas para encontrar, estancar e utilizar emissões fugitivas não valem a pena. “É realmente fundamental ter regulamentações mais rigorosas”, afirma Shindell.

As regulamentações sobre as emissões de metano atuais são uma colcha de retalhos de medidas locais e nacionais, com poucos acordos internacionais definindo alvos específicos, segundo indica o relatório da ONU. Nos Estados Unidos, as políticas estaduais variam de controles razoavelmente rigorosos em alguns Estados, como a Califórnia e o Colorado, até pouca implementação no Texas e em outros.

Enquanto isso, a União Europeia está atualmente elaborando novas regulamentações para emissões do setor energético. Mas outros grandes emissores, como a Rússia, quase não têm políticas de restrição de metano em vigor, segundo a análise da Agência Internacional de Energia.

Antecipando-se à conferência sobre mudanças climáticas das Nações Unidas em novembro, a COP26, o Fórum Internacional de Energia lançou este mês o seu Projeto de Metodologia de Medição de Metano, fornecendo aos países membros acesso a dados do satélite Sentinel 5P e análises da Kayrros, para oferecer melhor controle das emissões da indústria energética.

Os dados de satélites poderão fornecer uma ferramenta política útil para forçar os países a coibir suas emissões, segundo os cientistas. Medições precisas dos vazamentos em tubulações russas, por exemplo, poderão permitir que a União Europeia, como importante consumidora de petróleo e gás da Rússia, imponha barreiras tarifárias com base nas emissões na produção e no transporte. Melhor monitoramento poderá também auxiliar em ações recentes de acionistas e juízes obrigando as principais empresas de combustível fóssil a refrear suas emissões de gases do efeito estufa.

Sejam quais forem as medidas que entrarem em vigor, os legisladores e reguladores necessitarão de olhos no espaço para controlar se essas normas estão funcionando, apontar violadores e incentivar mudanças.

Como ressalta Duren, dos Mapeadores de Carbono: “Existem muitas formas de tornar visível o invisível.”

Este artigo foi publicado originalmente pela Yale Environment 360 e republicado com autorização. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) nos sites Yale e360 e BBC Future.

Fonte: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/08/30/a-luta-para-combater-nuvens-de-metano-tao-grandes-que-podem-ser-vistas-do-espaco.ghtml


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