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O Brasil também entrou na corrida pelo carvão

Carvão na encruzilhada: um insumo mineral sujo e poluente

Poucas imagens são tão vinculadas ao trabalho degradante quanto a de homens, com rostos cobertos de fuligem negra, saindo de uma mina de carvão mineral. Poucos episódios simbolizam tão bem a poluição do ar quanto o grande nevoeiro letal, resultante de uma mistura de névoa natural com fumaça negra, que encobriu a cidade de Londres, em 1952. O fenômeno, que matou 12 mil londrinos, especialmente crianças e idosos, ficou conhecido como Big Smoke. Desde então, a fama de feio, sujo e malvado não se desgrudou mais do carvão — o combustível fóssil que mudou a face do mundo propiciando a Revolução Industrial.

Dois séculos se passaram e ainda hoje o carvão é a principal fonte geradora de energia elétrica do mundo. Países como Estados Unidos, Japão, China, Índia, África do Sul e Rússia são tão dependentes do carvão no século XXI, quanto era a Inglaterra, no século XIX. O Brasil é uma rara exceção. Aqui, o carvão tem um peso irrisório na matriz energética, apenas 1,5%. No mundo, ele responde por 41%. Motivo de tamanho poder? Preço baixo, oferta abundante e estoques longevos. As reservas de carvão somam hoje 860 bilhões de toneladas e são suficientes para 130 anos — pouco mais que o dobro da vida útil prevista para o petróleo, que pode se exaurir em cerca de seis décadas.

Essas características transformaram o carvão numa fonte de energia atraente do ponto de vista econômico, mesmo respondendo por 30% a 35% das emissões globais de gás carbônico (CO2), um dos principais responsáveis pela intensificação do efeito estufa. Seu uso é imenso e ascendente. A China queima 3 bilhões de toneladas de carvão por ano. A Alemanha, alarmada com o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, está construindo 11 usinas de carvão. E até o Brasil, que há 27 anos não fazia prospecção, entrou na corrida.

O estoque nacional de 7 bilhões de toneladas não passa de 1% das jazidas totais do planeta. Se consideradas as áreas não trabalhadas, ele pode superar em três vezes e meia as reservas de petróleo no Brasil. Não é à toa que o governo incluiu a indústria do carvão no programa Brasil Maior.

— Todos os países estão investindo em fontes amigáveis, mas nenhum deles banca o escoteiro. O Brasil vai esquecer essa energia debaixo da terra? — questiona Maria Luiza Sperb Indrusiak, coordenadora do Núcleo de Estudos Térmicos e Energéticos da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul.

O Serviço Geológico do Brasil já identificou indícios do mineral nas bacias do Parnaíba (no Maranhão e no Piauí) e do Solimões (no Amazonas), assim como no balneário do Rincão, em Santa Catarina. Só que o carvão está numa encruzilhada e o desafio é adotar tecnologias que permitam a produção de um carvão mais limpo. Mesmo usando pouco, o passivo ambiental deixado pelo carvão no país é alto. Em Santa Catarina, águas de rios e subterrâneas foram contaminadas até a década de 80, quando surgiram as primeiras restrições ambientais.

— Não precisamos cometer os mesmos erros do passado, os erros da ignorância — justifica o engenheiro Francisco Porto, gestor de Meio Ambiente da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), do sistema Eletrobras, que opera a usina Presidente Médici, no município de Candiota, no Rio Grande do Sul.

Mina a céu aberto

É justamente nos pampas gaúchos, onde o carvão aflora do chão, a menos de dois metros da superfície, que se encontra a maior mina a céu aberto do país. O município de Candiota produz 38% da produção nacional de carvão. A economia da cidade é baseada nessa indústria: 80% das suas receitas saem das minas. A mais nova revolução foi a construção da termoelétrica Candiota 3, inaugurada em janeiro de 2011. O investimento, uma das obras grandiosas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), correspondeu à soma do PIB municipal de Candiota de 1997 a 2005.

Na sede do sindicato dos trabalhadores, os diretores defendem o emprego e o carvão. Admitem que nunca foi feito um estudo sobre a saúde dos trabalhadores. A bióloga Paula Rohr, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em sua tese de doutorado, trouxe à luz uma preocupação. Foram coletados sangue e mucosa oral de 57 trabalhadores expostos ao carvão e de 71 não expostos. O resultado foi mais lesões do que o esperado e alterações cromossômicas nos que foram expostos ao carvão. O próprio organismo é capaz de promover reparos, mas cada indivíduo é único e, em alguns casos, isso pode não acontecer e dar origem a um câncer.

— O carvão é, por si só, danoso. Além do pó, na queima são geradas outras substâncias. Dezesseis delas são consideradas prioritárias em estudos do surgimento de câncer — afirma Juliana da Silva, especialista em Genética e Toxicologia Aplicada.

Os trabalhadores nas minas a céu aberto, como a de Candiota, têm direito a aposentadoria especial, com 25 anos de trabalho. Nas minas subterrâneas, são 15 anos. Edson Budó, diretor do Sindicato dos Mineiros, diz que dificilmente os trabalhadores conseguem obter o benefício:

— Temos de ir à Justiça sempre. Uns conseguem, outros não.

Um dos piores lugares para se trabalhar na mina é a região na qual o carvão começa a ser quebrado para ser transportado por esteira. Geralmente um buraco fundo, escuro e repleto de cinza, também chamado de “toca da onça”, na chegada na usina. Quando chove, a cinza vira lama. Protegidos por máscaras, cerca de 70 operários se revezam em três turnos na limpeza. Décadas atrás, era normal fazer o serviço sem qualquer proteção.

— É o começo do inferno — descreve Alexandre Trindade Silveira, 47 anos, único mineiro a ter identificada a pneumoconiose, doença provocada pela poeira do carvão.

A mancha no pulmão foi descoberta nos exames anuais feitos pela mineradora CRM em todos os que trabalham diretamente com o carvão. Alexandre foi transferido para o viveiro de plantas, onde germinam sementes e mudas que irão recompor a vegetação das áreas mineradas.

— Desenvolvimento sustentável não é não fazer nada. É fazer com responsabilidade — afirma Paulo Monteiro, do grupo EBX, de Eike Batista, que tem prontas termoelétricas no Ceará e no Maranhão, onde vai utilizar carvão da Colômbia, no Porto do Açu, no Rio Janeiro; e licenças para usinas no Rio Grande do Sul, onde comprou a Seival.

Hoje, 26 projetos de sequestro e uso de gás carbônico estão em curso no mundo. Os prazos de maturação deles geralmente variam de cinco a 15 anos. Países investem na captura do gás carbônico para injetá-lo em galerias subterrâneas de mineração ou em poços de petróleo desativados.

— O uso dos combustíveis fósseis no mundo continuará crescendo. A solução é investir em tecnologia para tornar as usinas mais eficientes, usando menos carvão — comenta Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM).

No Rio Grande do Sul, tanques verticais de microalgas serão testados nas termoelétricas. O projeto é do professor de engenharia bioquímica Jorge Alberto Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele espera reproduzir na usina o que ocorre na natureza, onde a fotossíntese nas águas gera 70% do oxigênio do planeta.

— Em cinco anos, poderemos reduzir pela metade a emissões de CO2. A ideia é ter um carvão limpo — promete Costa.

Fonte: O Globo

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