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A redenção das cidades

A redenção das cidades

Há pouco mais de 200 anos, no início do século 19, apenas três cidades no mundo podiam contar sua população com sete casas decimais: Londres, Pequim e Tóquio. Em 1900, elas eram 16; hoje, 442 já superaram o primeiro milhão de habitantes. Pela primeira vez na história da humanidade, a população urbana, incluindo, desde janeiro deste ano, a chinesa – é maior que a rural. Segundo estimativas das Nações Unidas, até 2030 esse percentual deverá ser de 70% da população mundial. Uma transformação e tanto em um século na história de vida do homem.

aumento demográfico das zonas urbanas é reflexo inevitável do desenvolvimento econômico, social e tecnológico pelo qual o mundo vem passando e que deve se intensificar. Seremos 9 bilhões de habitantes até 2050. Para acomodar tanta gente, as aglomerações humanas demandam um aumento em recursos energéticos e hídricos, um sistema efetivo e abrangente de tratamento de resíduos, novas e amplas opções de mobilidade das pessoas e melhores condições de vida e de saúde pública.

Mas, se antes as metrópoles eram vistas como grandes geradoras de problemas, hoje são apontadas por especialistas como a solução para enfrentar um futuro de mudanças climáticas ecrescimento populacional e levar a humanidade ao desenvolvimento sustentável. As alternativas não passam apenas pela cobertura florestal do planeta; elas estão sendo construídas, dia após dia, em conjunto com arranha-céus, túneis e redes inteligentes nas selvas de pedra em que vivem hoje cerca de 3,5 bilhões de pessoas.

MAIS GENTE, MENOS RECURSOS
Muita gente busca as áreas urbanas porque concentram dinheiro, progresso e oferecem perspectiva de prosperidade. Isso fez com que, no decorrer dos anos, as cidades atraíssem pessoas e, com elas, as dificuldades no crescimento não planejado: pobreza, congestionamentos, violência, má qualidade de vida. Mas a verdade é que as áreas urbanas, ao concentrar população, faz com que os recursos sejam otimizados. Nelas, os habitantes têm menos necessidade de energia per capita, vivem em casas compactas, as vias pavimentadas e as linhas de transporte público são menos extensas, ao mesmo tempo que, para se locomover, o carro é usado em distâncias menores. Ou seja, poupam mais os recursos do planeta ou os consomem de forma inteligente ao compartilhá-los com um grande número de pessoas. Quando uma cidade dobra de tamanho, sua infraestrutura não segue a mesma proporção: ela aumenta de forma mais gradativa que o tamanho da população (e isso vale para quase tudo, de postos de gasolina a quantidade de fios elétricos). “Uma metrópole de 8 milhões de habitantes necessita 15% menos da mesma infraestrutura do que duas cidades de 4 milhões de pessoas cada uma”, afirmam Geoffrey B. West e Luís M. Bettencourt, físicos do Santa Fe Institute, nos Estados Unidos.

Em Nova York, o consumo de energia elétrica e o volume de emissão de gás carbônico per capita são menores que a média nacional americana. Isso se repete em Bruxelas, Madri, Cidade do Cabo, Seul e até São Paulo. Os fatores vão desde a fonte energética usada em cada uma delas até a quantidade de indústrias e o volume do tráfego (no meio urbano, o uso de transporte público associado ao fato de as pessoas andarem a pé reduz a pegada de carbono). “Comparadas aos subúrbios e às zonas rurais, as cidades conseguem fazer mais com menos. E, conforme ficam maiores, aumentam sua produtividade e eficiência”, garantem os físicos. Também graças às metrópoles, metade da população do mundo ocupa uma área de apenas 4% das terras cultiváveis, o que significa que liberam, assim, espaço para a agricultura e a pecuária.

INTELIGÊNCIA URBANA
Os problemas relacionados à urbanização continuam presentes em muitos centros, principalmente em nações em desenvolvimento, líderes em crescimento nas últimas décadas, exigindo mais transporte, habitação, sistema de esgoto etc. No Brasil, muitas cidades se expandem em velocidade maior que sua infraestrutura. Saneamento, suprimento de alimentos e serviços de saúde não estão acompanhando o ritmo de migração das áreas rurais para os centros urbanos. Mais de 80% da população brasileira já vive em áreas urbanas. A expectativa é que esse número passe de 93% em 2050.

“Mas é um equívoco ver a urbanização em si como um mal. Ela é inevitável e indispensável para o desenvolvimento”, afirma Rafael Tello, professor e pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Sustentabilidade na Construção da Fundação Dom Cabral. Toda cidade é formada da mistura de planejamento e não planejamento. Tirando exemplos radicais, como Masdar, nos Emirados Árabes, que está sendo planejada para ser a primeira do mundo neutra em carbono, hospedando um centro de pesquisa especializado em energias renováveis e sustentabilidade, cada metrópole tem desafios pela frente. O principal deles é reproduzir a eficiência que existe nas zonas urbanas para as áreas e conurbações mais amplas, como as cidades-satélite e a periferia.

O fato de abrigarem muitos habitantes e manterem a proximidade das pessoas ajuda a tornar as aglomerações em grandes centros de “transbordamento de capital humano”, como define o economista Edward Glaeser, da Universidade de Harvard. Por sua alta concentração demográfica, elas facilitam a circulação de ideias e caracterizam a urbe moderna, “mais por seu conhecimento reunido do que, de fato, por seu espaço”, conclui o professor. Aliado à tecnologia de ponta, ocompartilhamento intelectual tem reformulado a vida urbana moderna, tornando-a produtiva em maior grau.

Muitas empresas apostam nesse aspecto ao propor soluções em tecnologia justamente nos desafios das metrópoles, a fim de tornar seu crescimento sustentável. As tecnologias verdes e eficientes querem transformar o espaço urbano em um lugar no qual as pessoas possam ter uma vida plena sem afetar o planeta – e, claro, contribuindo para a economia.

“A tecnologia fará com que seja economicamente viável produzir e otimizar o uso dos recursos consumidos. Ecossistemas naturais há muito tempo desenvolveram suas ‘tecnologias’ para otimizar a eficiência da própria energia e dos nutrientes. Temos de aprender com a natureza”, afirma Jeb Bruggman, autor do livro Urban Revolution: How Cities Are Changing the World (“Revolução Urbana: Como as Cidades estão Mudando o Mundo”, em tradução livre, sem edição no Brasil).

Enfrentar as mudanças climáticas e o desenvolvimento de baixo carbono exigem modernização da infraestrutura urbana, replanejamento e inovação tecnológica. Os novos padrões construtivos e de planejamento devem levar em conta os processos ecológicos no meio urbano, abrindo espaço para a aplicação da infraestrutura verde. Em termos de políticas públicas, vários países já começaram a atentar para essa necessidade. A Alemanha é uma das potências que tem levado os investimentos em tecnologias ambientais a sério: o país avalia que 14% de seu PIB até 2020 deverá vir das indústrias do setor. O Ministério de Meio Ambiente alemão estima que o mercado global de tecnologias ambientais mais que dobrará até 2020, superando os € 3 trilhões.

Esse desenvolvimento será impulsionado pela crise financeira. O banco de desenvolvimento alemão, o KfW, financia diversos projetos de energias renováveis (de solar a biomassa), com taxas de juros menores que o as do mercado financeiro. Na Dinamarca, por exemplo, há isenção de impostos para empresas que investirem nessa área, enquanto a Coreia do Sul estabeleceu como uma de suas dez prioridades o segmento de tecnologia ambiental. O grupo de bancos e investimentos HSBC estima que € 300 bilhões, ou 15% do montante a ser gasto em programas de estímulo econômico em todo o mundo, estão fluindo para a criação de infraestruturas verdes, com 68% do montante a ser investido em eficiência energética.

A aplicabilidade nesse setor é enorme para melhorar a vida urbana, e não apenas com relação aos desafios de meio ambiente. O termo sustentabilidade, em sua plenitude, engloba questões de mobilidade a tratamentos de efluentes de resíduos, de índices de pobreza à violência urbana. Em Nova York, os índices de criminalidade tiveram uma redução de 27% com a adoção de sistemas de análise de informação em tempo real implantadas pelo governo local. Redes informatizadas são capazes de gerenciar a distribuição de energia elétrica de forma automática e reduzir em 15% o pico de demanda em nações como a Suíça e a Noruega.

Além dessas iniciativas públicas, as empresas têm dedicado atenção especial às tecnologias que podem transformar o planeta e a vida urbana, nos diferentes setores – habitação, mobilidade, energia etc.

INICIATIVAS PRIVADAS
Como forma de preparar Londres para os Jogos Olímpicos de 2012, a GE desenvolveu 75 medidas a ser implantadas, entre estações de recarregamento de carros elétricos, sistemas de energia e de iluminação de alta tecnologia para evitar que grandes instalações fiquem sem energia em caso de interrupção, a equipamentos portáteis de saúde para atendimento de emergência. Ainda na área de saúde, a empresa desenvolveu duas turbinas a gás, para serem instaladas nos hospitais Guy’s e St. Thomas, que permitem a eles produzir a própria eletricidade e gerar uma economia anual de £ 1,5 milhão.

Em Cingapura, a IBM desenvolveu um sistema de tráfego que integra gestão de tarifas e análises como um instrumento capaz de prever congestionamentos uma hora antes de eles acontecerem, com precisão de 85%. Em Salvador, a tecnologia da empresa foi empregada em um sistema que abrange ferramentas de inteligência de negócios em gerenciamento de frotas, manutenção dos veículos, segurança e GPS. Cerca de 35% da frota da capital baiana que fica sob controle do Grupo Evangelista (Gevan), um dos clientes da IBM, tem seu tráfego monitorado para o desenvolvimento de rotas eficientes em relação ao uso de combustível e à gestão do sistema, de modo a alocar ônibus, motoristas e rotas que atendam à demanda maior de passageiros.

No Rio, uma parceria com a RioCard, empresa responsável pela emissão e pelo gerenciamento do vale-transporte no estado do Rio de Janeiro, possibilita que a tecnologia da IBM seja usada para melhorar as condições do trânsito. Cada vez que um passageiro usa o RioCard, ao passar o cartão pelo leitor, é possível coletar informações úteis para monitorar o volume de tráfego e as preferências dos usuários. Isso permite que a empresa customize seus preços, principalmente nas viagens fora do horário de pico, além de ajudar no gerenciamento do sistema de transporte como uma rede integrada. O selo Smarter Planet, da IBM, que engloba as ações voltadas a tecnologias para as cidades inteligentes, prevê uma receita que deve chegar a US$ 10 bilhões até 2015, um mercado promissor para a companhia americana.

A Siemens também tem vislumbrado grande futuro no segmento ambiental. A empresa investe € 1,5 bilhão por ano em tecnologias verdes. De seu faturamento total de cerca de € 76 bilhões em 2011, € 30 bilhões vieram desse portfólio. Isso representa um crescimento de quase 80%, ante os € 17 bilhões do investimento em sustentabilidade apurado em 2007.

No Brasil, a empresa atua em diferentes setores, como o de transportes (em parceria com a Agrale, está desenvolvendo um sistema de tração para um ônibus híbrido capaz de reduzir em 30% a emissão de carbono) e o de energias renováveis (assinou três contratos para prover turbinas para 12 fazendas de energia eólica, trazendo mais de 300 megawatts de energia limpa e renovável para o país). Em parceria com a Eletrobras, a companhia alemã também tem desenvolvido tecnologias em smart grid (rede elétrica inteligente). A empresa pega carona na decisão do Ministério de Minas e Energia (MME), que formou um grupo de trabalho (GT) para estudar as ações necessárias para implantar redes desse tipo no país e subsidiar a criação de um Programa Brasileiro de Rede Elétrica Inteligente.

O conceito de smart grid propõe uma arquitetura de rede descentralizada que possa integrar equipamentos inteligentes e transmissão de dados em um sistema gerenciado de computação distribuída. Dessa forma, os sistemas eletromecânicos que temos hoje serão substituídos por sistemas eletrônicos de medição para administrar a oferta e o consumo de energia elétrica. Após licitação internacional, foi formado um consórcio entre a Siemens e o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), do Sistema Eletrobras, para a execução desse projeto, o que irá aumentar a receita da empresa em investimentos de tecnologia sustentável.

O autor Jeb Bruggman defende a criação de tecnologias para se construir o futuro das novas “cidades estratégicas”, como ele define. “Planejamento e gestão não são suficientes. Para ter sucesso, elas precisam incubar tecnologias, produtos, modelos de negócios e formas de investimento. Realizar isso é um trabalho de estratégia urbana – criar as condições necessárias para atingir as metas locais e tomar uma posição de liderança em um sistema econômico urbanizado e global”, diz ele.

O fato é que essas novas tecnologias devem gerar um mercado e uma forma de se pensar a infraestrutura urbana – a capacidade de integrar informações, de se antecipar aos eventos e, assim, criar uma nova (e melhor) maneira de se viver nos grandes centros. E o conhecimento para isso está concentrado nas grandes metrópoles, que não param de crescer. Para o futuro do planeta e de toda a humanidade, é melhor mesmo que continuem assim.

Fonte: Planeta Sustentável

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