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Informe do CIMI: Violência contra os povos indígenas no país continua alarmante

 

Afirmação é da antropóloga Lúcia Rangel, coordenadora da publicação Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, lançada hoje em Brasília. 01/07/2011

Por Cleymenne Cerqueira

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou na tarde de hoje, 30 de junho, mais um Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil- dados de 2010. A constatação não é animadora, pois apresenta um triste e preocupante quadro de violência contra os indígenas no país. Entre as principais violações destacadas pelo relatório estão os altos índices de assassinatos, ameaças de morte, mortalidade infantil e lesões corporais.

O lançamento foi realizado na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e contou a presença do secretário Geral do organismo e bispo Prelado de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, dom Leonardo Ulrich Steiner, que destacou a importância do envolvimento da igreja nas discussões sobre os indígenas, que, de acordo com ele, são os primeiros habitantes destas terras.

“Nossos irmãos indígenas merecem todo o nosso respeito e admiração. Eles são os povos originários dessas terras. Nós somos os ‘invasores’, não eles. Venho do Mato Grosso (diocese de São Felix do Araguaia) e é inadmissível que indígenas sejam descartados ou excluídos de nossa sociedade como fazem nos dias atuais, por isso sempre lutaremos e apoiaremos o Cimi e a causa indígena desse país”, ressaltou dom Leonardo.

Infelizmente, nas falas de dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, no Pará, e presidente do Cimi, bem como nas da antropóloga da PUC/SP que coordenou a pesquisa, Lucia Helena Rangel, ficou claro que a situação de violência contra estes povos continua igual ou pior que no passado, quando milhares de indígenas foram dizimados. “Sim, tudo continua igual! Algumas ocorrências aumentam, outras diminuem ou permanecem iguais, mas o cenário é o mesmo e os fatores de violência mantém-se, reproduzindo os mesmos problemas”, afirmou Lúcia.

Já dom Erwin destacou a situação com alguns números apresentados no relatório. Números inaceitáveis, de acordo com ele. “Não dá para aceitar mais esses dados, como o número de crianças que continuam morrendo, em pleno 3º milênio, em pleno século XXI de doenças facilmente tratáveis, como diarréia, subnutrição ou doenças respiratórias”, afirmou.

O bispo ainda cobrou a responsabilidade do governo quanto ao atendimento à população indígena. “O que mais choca é a falta de comprometimento e de interesse dos governantes, que entra ano, sai ano, não tomam nenhuma atitude para amenizar o sofrimento dos índios. Crianças morrem por falta de medicamentos básicos. Os idosos nem atendimento conseguem nos postos de saúde. Cadê os Direitos Humanos, que o Brasil teima em dizer que faz parte?”, questionou.

Lúcia apresentou os números referentes a 2010. Ela afirma que os dados são assustadores. No ano passado 60 indígenas foram assassinados (dado que se repete pelo 3º ano consecutivo) e outros 152 ameaçados de morte. Foram registrados 33 casos de invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais disponíveis em terras indígenas. “O Mato Grosso do Sul é campeão com 34 casos, o que representa 56% do total. O estado possui a segunda maior população indígena do país”, disse a antropóloga.

Ainda de acordo com o relatório do Cimi, os índices de mortalidade infantil aumentaram 513% se comparados a 2009, quando foram registrados 15 casos, com 15 vítimas. Dados revelam que de 11 anos para cá, 210 crianças menores de 10 anos morreram no Vale do Javari (AM). Uma proporção de mais de 100 mortes para cada mil nascidos vivos, índice cinco vezes maior que a média nacional, que não chega a 23.

Nos estados do Sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) foi constatado pela pesquisa do Cimi que há populações indígenas vivendo em beira de estrada, de rodovias há pelo menos 10 anos, sem que haja alguma modificação, por parte dos estados, da forma de vida desses povos. “Os agricultores, por sua vez, pressionam esses indígenas de beira de estrada. O poder policial também, então o número de conflitos com essas comunidades tradicionais é diário, causando um número assustador de suicídio, de assassinatos e de prisões de índios no sul”, explicou Lúcia.

Ela sublinhou ainda como “gravíssima” a situação do Mato Grosso, considerado por ela o estado que mais derruba áreas de floresta, com uma “explosão” nos números referentes ao desmatamento ambiental, afetando 100 áreas indígenas e 20 áreas de proteção. E no Maranhão, que, como quase não há mais áreas de florestas, as únicas estão em bolsões demarcados indígenas, então o conflito por terras, madeiras e recursos naturais são corriqueiros.

“Quase 100% das construções de hidrelétricas no Brasil, as áreas alagadas ou alagáveis, caso de Belo Monte, atingem áreas de reservas indígenas. Este é um dado. O outro dado é, com o debate sobre o novo Código Florestal, que tramita no Congresso Nacional, madeireiros de Mato Grosso, em busca da tal anistia prometida pelo governo, aos infratores, aumentou em 200% o número de hectares derrubados no estado, algo que considero dantesco e lastimável”, disse a antropóloga.

De acordo com Dirceu Luiz Fumagalli, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os dados apresentados pelo Cimi não divergem em muito dos dados apresentados há cerca de 70 dias pela CPT, quando do lançamento do Caderno Conflitos no Campo – Brasil 2010. “A situação é semelhante e urgente, como a destacada em nossa publicação, no entanto, os dados de violência contra os povos indígenas são ainda mais alarmantes. Como aceitar que 60 crianças do povo Xavante, de 100 nascidas vivas, tenham morrido?”, questionou.

Para Dirceu, os dados corroboram ainda mais com a afirmação de que no Brasil ainda não se aprendeu a conviver com o diferente. “Antes falava-se muito dos casos de violência na região Norte, no entanto, a intolerância se dá de norte a sul do país. No território nacional, politicamente, ainda não se sabe respeitar as diferenças”, disse. Ele acrescentou ainda que a violência é uma das práticas arcaicas que acontecem no país, registrada também pelo uso de drogas, alcoolismo, assassinatos e demais violações de direitos.

Violência da ditadura militar

Egydio Schwade, colaborador do Cimi no Amazonas, e que por muitos anos atuou junto ao povo Waimiri-Atroari, também falou sobre a importância de não deixar a memória dos massacres contra os povos indígenas morrer. De acordo com ele, a mídia, o governo, e a população no geral, quando falam de torturas e violências praticadas durante a ditadura militar não fazem referência aos milhares de indígenas que foram brutalmente dizimados.

Populações inteiras desapareceram e outras foram drasticamente reduzidas, como no próprio caso dos Waimiri-Atroari, e outros povos, massacrados quando da construção da rodovia BR-174 (Manaus – Boa Vista). “Desapareceram nove aldeias na margem esquerda do Médio Rio Alalaú; pelo menos seis aldeias no Vale do Igarapé Santo Antonio do  Abonari; uma na margem direita do Baixo Rio Alalaú; três na margem direita do MédioAlalaú; as aldeias do Rio Branquinho, que não aparecem nos relatórios da Funai; e pelo menos cinco aldeias localizadas sobre a Umá, um varadouro que ligava o Baixo Rio Camanau, (proximidades do Rio Negro) ao território dos índios Wai Wai, na fronteira Guianense”, disse.

Egydio destacou ainda a situação dos Avá-Canoeiro, vítima de massacre no final dos anos de 1960, quando quase toda sua população foi dizimada. Quando do violento contato com esse povo, marcado pela usurpação de suas terras pelo colonizador para a criação de gado e plantio de cana-de-açucar, parte do grupo foi transferido forçadamente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) para o território Karajá/Javaé, na Ilha do Bananal, para morar junto com os Javaé, seus históricos inimigos. Outro grupo formado por seis pessoas foi localizado, já em 1983, morando em uma caverna na região de Minaçu, Goiás. O terceiro grupo, segundo relatos, teria fugido na época da transferência e vive ainda hoje em situação de isolamento.

Fonte: EcoDebate


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