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Cerrado é nosso ‘herói’ da resistência

A própria configuração física das espécies nativas deste tipo de concentração florestal denotaria a resiliência a incêndios.

Pôr do sol no Lago Paranoá. Localizado em Brasília, foi criado com o objetivo de aumentar a umidade em suas proximidades. Foto : Patricia Patriota

Floresta comum a todo o território nacional, com incidência maior e de forma contínua em áreas de solo e clima mais secos, o cerrado é “calejado” contra o fogo. O poder das chamas, ainda mais frequente em períodos de estiagem, tem uma relação histórica com esse ecossistema, que cerca o perímetro urbano de Bauru.

O poder de “renascer das cinzas”, literalmente, das áreas cobertas por matas de cerrado, é característico da própria formação da maioria das plantas, que, antes dos incêndios relacionados à estreita convivência da floresta com a área urbana, já enfrentavam labaredas causadas pela própria natureza, em virtude dos raios gerados pelas tempestades.

Compostas por troncos e galhos curtos, retorcidos, além das folhas escuras, o conjunto de vegetação do cerrado tem essa configuração física, explica o engenheiro agrônomo Wanderley José de Melo, professor titular de Biogeoquímica da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.

“Ele (o cerrado) é resistente. Possui resiliência, a que é chamada a capacidade de ser submetida a grande estresse e retornar à capacidade inicial”, conceitua o professor, formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), de Piracicaba, e, atualmente, engajado em projeto de recuperação de mata nativa amazônica devastada pela mineração, na Floresta do Jamari, em Rondônia.

Essa capacidade de regeneração estaria ligada também à característica do solo em que se encontram as matas de cerrado, segundo o especialista, rico em manganês e alumínio, minerais que prejudicam a fertilidade, mas que, com o passar dos anos, fizeram com que a vegetação que insistiu em crescer neste tipo de terreno ficasse ainda mais fortalecida.

Por outro lado, apesar do poder regenerativo – dependendo, obviamente, do grau de destruição, enfatiza o engenheiro agrônomo -, a vegetação característica do cerrado também, paralelamente, propicia o alastramento das chamas.

Diferentemente de florestas mais densas, e, consequentemente, com maior umidade, como a mata atlântica, cita o professor da Unesp/Jaboticabal, o cerrado, devido à curta envergadura das espécies vegetais, tem grandes espaços entre uma planta e outra.

A combinação entre a baixa umidade e alta ventilação, justamente pela existência desses vãos, permite o fácil alastramento das chamas, que se propagam rapidamente também pela vegetação rasteira e galhos retorcidos. Outro fator que contrapõe ao poder de ressurgimento natural do cerrado é a difícil recomposição florestal de forma “artificial”, ou seja, com o replantio praticamente inviável, observa o professor.

Segundo ele, as plantas enraizadas nas regiões cobertas por esta variedade florestal estão enraizadas há muitos, talvez milhares de anos. “São plantas adaptadas há muito tempo a esse tipo de solo, com sistemas radiculares que buscam água em grande profundidade”, detalha o agrônomo.

Força natural

A alta concentração de minerais como o alumínio e o manganês seriam um dos empecilhos para o replantio de espécies nativas do cerrado, caso houvesse a tentativa de reinserção de mudas. Clonagem de algumas plantas também seria inviável, já que, apesar de não serem imponentes como de outras concentrações florestais, as espécies do cerrado também são multivariadas.

Portanto, a única forma de recuperação das matas, de acordo com agrônomo, é a recuperação natural. “Não se replanta cerrado”, decreta o agrônomo Melo. Apesar de não haver estudo sobre uma hipotética “vantagem” do cerrado em se reerguer mais rapidamente do que outras florestas brasileiras, a capacidade de regeneração dessas matas é salutar, enfatiza o especialista. “A planta rebrota depois que pegou fogo, se regenera naturalmente”, reitera.

Fertilidade 

Apesar da inviabilidade do replantio das espécies nativas, entretanto, há a possibilidade de cultivo de outros tipos de vegetação, inclusive para a agricultura. Contudo, enfatiza o agrônomo, o cuidado do manejo da cobertura original é fundamental, para que não seja retirado mais do que o necessário para a utilização agrícola do solo, possível com o advento de novas tecnologias de fertilização.

Ele exemplifica o potencial agrícola — inclusive da “terra branca” da região, ou Arenito Bauru, como é conhecido o solo local – com a transformação da alegada “aridez” do Planalto Central nos maiores campos de cultivo de soja e algodão do Brasil. Essa área é característica justamente do cerrado, com solo e climas semelhantes ao encontrado em Bauru. “O clima é seco e com o veranico, marcado por chuvas e longas estiagens”, descreve. “Há trinta anos, era um solo improdutivo”, comenta, referindo-se ao Planalto Central.

Fonte : Luiz Beltramin/JCNet


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