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Como a represa mais antiga do Brasil se tornou um cemitério de tartarugas

Onde antes havia água, agora há terra rachada com seis barcos ancorados e centenas de tartarugas mortas. A situação da Barragem do Cedro, em Quixadá (CE), a mais antiga do Brasil, uma obra pioneira contra a seca ordenada pelo imperador Pedro II que acabou sendo construída entre 1890 e 1906, resume os efeitos devastadores, tanto humanos quanto naturais, da pior seca em um século no nordeste do país.

O Paraíso Bar, com vista para o agora evaporado Açude do Cedro e para a Pedra da Galinha Choca, ainda está aberto, embora apenas turistas visitem este lugar, que até nove meses atrás era um dos principais atrativos das pessoas que faziam trilhas no interior do Ceará.

A única coisa que se move atualmente dentro desta lagoa com capacidade para 126 milhões de metros cúbicos de água (mais de 50.000 piscinas olímpicas) são as silhuetas de seis jovens: um grupo de estudantes de ciências biológicas que a percorrem para fazer um trabalho de campo.

Prolongada por mais de cinco anos pela predominância do El Niño no Pacífico e pelas mudanças climáticas, a pior seca desde 1910 no desamparado nordeste deixou seus reservatórios em situação crítica. No Ceará, um dos estados com mais território no sertão semiárido, estão, em média, a 6% de sua capacidade.

Enquanto isso, barragens como o Cedro, uma obra pioneira contra a seca ordenada pelo imperador Pedro II que acabou sendo construída entre 1890 e 1906, um período republicano, estão paradoxalmente secas.

Em seu solo, tão escamado e duro que se torna difícil caminhar, jazem milhares de pequenos caracóis mortos, restos decompostos de espinhas de peixes e dezenas de cascos de tartarugas dissecadas, o primeiro foco do estudo universitário.

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“Aqui havia uma biodiversidade muito extensa, com muitos peixes, anfíbios, moluscos, muitas aves que se alimentavam dos peixes. Quando uma pessoa vinha em excursão via tudo isso. E hoje não existe mais”, lamenta Wagmar Docarm, uma da estudantes, enquanto mede um casco e anota as informações no quadro de estatísticas.

Desde que começou sua pesquisa, em novembro, este grupo da Universidade Estatal encontrou em Quixadá 438 tartarugas ‘phrynops geoffroanus’, todas mortas, embora sejam as mais resistentes das três espécies que deveriam existir no local.

“Estas tartarugas morreram porque não tinham água e ressecaram. Embora normalmente migrem, não tiveram como cruzar uma represa inteira”, explica Hugo Fernandes, doutor em zoologia que coordena a pesquisa.

O professor lembra que a seca é um processo habitual no sertão, que faz com que a população animal flutue entre as poucas épocas secas e chuvosas.

Mas o fato de a represa só ter este tipo de tartarugas constata o ambiente especialmente adverso, agravado pela ação humana, que pode fazer com que as populações animais não consigam se recuperar, adverte.

Sem peixes, nem turistas

Quem também está muito preocupada com estas previsões e com o prognósticos de chuvas insuficientes para 2017 é a comunidade de pescadores que vive em casas construídas ao redor da represa. Desde que a barragem secou completamente, há nove meses, a fonte de sobrevivência da comunidade desapareceu.

“Todos aqui viviam da pesca. Havia muitos peixes, camarões, mas tudo acabou e a miséria que o governo nos dá não é o suficiente”, reclama Francisco Elso Pinheiro, pescador de 75 anos com as mãos tão ressecadas quanto a represa que agora observa a partir de uma rede.

Francisco pescava cerca de 30 km por dia e, com sua venda, conseguia duplicar sua aposentadoria. Além disso, enchia a mesa de sua família com os pequenos cultivos de feijão, milho ou batata que dezenas de agricultores improvisavam nas margens do Cedro.

Agora, seu barco de madeira está ancorado na metade da desértica barragem e, como já não sai água das torneiras e os caminhões-pipa do governo não conseguem chegar a sua casa, Francisco precisou cavar um poço no Cedro para tentar buscar água, extremamente salgada, de seus aquíferos.

No Paraíso Bar e em outros pequenos estabelecimentos, os donos também cavaram poços para, ao menos, poder lavar o chão ou os banheiros, onde atualmente quase ninguém pisa.

“Além da pesca, aqui vivíamos do turismo e agora estamos praticamente a zero. Se a represa voltasse a ter água, tudo melhoraria para todos”, reflete Gilberto Queiroz, funcionário do bar, enquanto carrega a bomba do poço para que ninguém a roube. Na parede onde este duto improvisado de água termina, está escrita a frase: “O senhor é meu pastor, nada me faltará”.

Fonte: Gazetadopovo

http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/como-a-represa-mais-antiga-do-brasil-se-tornou-um-cemiterio-de-tartarugas-96vi6k9kf2osj9z1xwxmicls6


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