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Os temas ambientais emergentes neste século e a Rio+20

O Pnuma, programa de meio ambiente da ONU, divulgou no dia 23/2, em Nairóbi, no Quênia, relatório que agrega a opinião de mais de 420 cientistas sobre os 21 temas ambientais críticos para o Século 21.

O relatório, 21 Temas para o Século 21, é resultado do processo de previsão sobre temas ambientais emergentes do Pnuma. Este processo definiu temas ambientais emergentes como aqueles que tenham um impacto ambiental global positivo ou negativo e são reconhecidos pela comunidade científica como muito importantes para o bem-estar humano, mas ainda não receberam atenção adequada pelos formuladores de políticas. O diretor executivo do Pnuma e secretário-geral adjunto da ONU, Achim Steiner, explica no prefácio do relatório que o “foco inicial (do trabalho) foi informar a cúpula da Rio+20, que acontecerá no Brasil em 2012”, mas ele será relevante também “para a formulação de políticas ambientais e definição de prioridades científicas”.

O Pnuma, a grande maioria dos países e os ambientalistas definem a Rio+20 claramente como uma reunião ambiental. Os temas do desenvolvimento, como transição para a economia verde, com equidade, serão discutidos sob a ótica ambiental e não puramente econômica e social. Mas os responsáveis pela pauta da Rio+20 no Brasil, como se sabe a cargo do Itamaraty, insistem em dizer que ela não será uma reunião ambiental.

Essa contrariedade entre o entendimento da ONU, de grande parte dos países que participarão da cúpula e da totalidade do ambientalismo global, de um lado, e o governo brasileiro com alguns aliados, de outro, é um risco claro ao sucesso da reunião. A ministra Izabela Teixeira estava em Nairóbi, na reunião do comitê de governança do Pnuma e do Fórum Ambiental Global. Ela sabe que a agenda é ambiental.

A Rio 92, denominada Cúpula da Terra, e conhecida durante muito tempo por Eco 92, que originou a Rio+10 e, agora, a Rio+20, era, evidentemente, uma reunião ambiental. O argumento de que a “linhagem” das cúpulas ambientais se restringe às reuniões da Convenção do Clima ou da Convenção da Biodiversidade, não por acaso nascidas na Rio 92, não faz sentido algum. A Rio 92, que deu origem a essas duas convenções centrais da governança ambiental contemporânea, é a matriz originária da agenda ambiental contemporânea.

O Itamaraty, temeroso de que as partes da Convenção do Clima adiassem as decisões da COP 17, em Durban, transferindo-as para a Rio+20, empenhou-se em retirar de sua agenda qualquer referência à mudança climática. Agora, parece querer trocar o foco ambiental da cúpula, para dar-lhe um tratamento exclusivamente desenvolvimentista, ainda que com orientação social e preocupações ambientais. Esta inversão temática poderia descaracterizar e esvaziar a Rio+20.

Todos os temas emergentes listados pelo 21 Issues for the 21st Century são ambientais. Os cinco temas ambientais emergentes mais importantes, segundo os cientistas são:

1. O alinhamento da governança aos desafios da sustentabilidade global. Um tema eminentemente político, que resulta do visível descompasso entre a natureza desses desafios e o sistema de governança local e global da sustentabilidade hoje existente. Há um grande número de acordos multilaterais interdependentes, que compartimentam os temas ambientais, impedindo visões mais integradas e políticas mais abrangentes e ousadas. Não há transparência suficiente. A representatividade do sistema de governança é problemática. Sua efetividade, na maioria dos casos, discutível. Nem o sistema global, nem os sistemas nacionais, principalmente estes últimos, têm transparência suficiente, mecanismos de garantia de cumprimento de regras e compromissos, formas de responsabilizar inadimplentes ou faltosos. Ainda é preciso muito estudo e experimentação para o desenvolvimento de regimes de governança que estejam à altura do desafio ambiental e climático do Século 21.

Mas, uma coisa é certa, o Pnuma precisaria ser substituído, com urgência, por uma organização no âmbito da ONU, com o status hierárquico e a autonomia de poderes da FAO e da OMS, e com algumas das características de adjudicação típicas da OMC. Este tema se imporá na Rio+20. O governo brasileiro prefere a alternativa de “fortalecer o Pnuma”, que na verdade significa evitar a criação de uma organização com mais poderes institucionais e legais. “Fortalecer o Pnuma” é, politicamente, menos que o meio do caminho até criar um órgão ambiental;

2. O segundo tema emergente é a transformação dos recursos humanos para o Século 21. A adaptação à mudança climática global e a transição para a economia verde demandarão novas capacitações, em particular, novas especialidades ocupacionais, modos de aprendizado, gestão e maior esforço de pesquisa. Todo o sistema de educação e treinamento, no mundo todo, terão que mudar, para atender a esta nova demanda. Muitas ocupações ficarão obsoletas e muitas outras inéditas serão criadas. Hoje já há falta de recursos humanos especializados em muitas das áreas emergentes da economia verde;

3. Em terceiro lugar no ranking, mas em sétimo na exposição, estão os novos desafios para assegurar a segurança alimentar para nove bilhões de pessoas. A segurança alimentar está sob ameaça por transformações no potencial agrícola determinadas pela mudança climática, competição por diferentes usos da terra e produção de bioenergia, maior escassez de água e possíveis dificuldades na provisão de fertilizantes. Os riscos à segurança alimentar também são elevados por crescente transmissão de doenças de animais para seres humanos e contaminação de alimentos;

4. Em quarto lugar (terceiro na exposição), está o que os cientistas chamaram de “ponte quebrada”, interrompendo a comunicação entre ciência e políticas (policy). A sociedade precisa de estratégias e políticas para lidar com a mudança climática que estejam baseadas em ciência robusta e evidências sólidas. Mas a relação entre a comunidade científica e os formuladores de políticas públicas e corporativas é inadequada ou está se deteriorando, e esta ponte quebrada está comprometendo o desenvolvimento de soluções globais para a mudança ambiental global. É preciso um novo olhar sobre como a ciência está organizada e como a conexão entre ciência e políticas pode ser restaurada e melhorada;

5. Em quinto lugar (quarto na exposição), está a promoção de pontos de virada sociais (social tipping points). As novas pesquisas da ciência social mostraram o modo pelo qual comportamentos humanos danosos podem ser transformados por políticas públicas em períodos curtos de tempo. A mudança da atitude coletiva em relação ao cigarro, que passou de um modismo à rejeição pela maioria por seus danos à saúde, que ocorreu em uma geração em grande número de países é um bom exemplo. Mas, será que estes exemplos bem-sucedidos poderiam ser usados com sucesso na mudança de hábitos de consumo que causam danos ao ambiente. Que estrutura de incentivos e desincentivos seria necessária para isso?

Os outros 16 temas, todos relevantes, pela ordem do ranking, são os seguintes:

6. Novas perspectivas nas interações entre água e terra, mudar o paradigma de gestão;

7. Novos desafios para mitigação da mudança climática e adaptação à mudança climática inevitável: como manejar as consequências não antecipadas;

8. Aceleração da implementação de sistemas de energia renovável amigáveis com o ambiente;

9. Além da conservação: integrando a biodiversidade às agendas ambiental e econômica;

10. Risco além do necessário. A necessidade de uma nova perspectiva para minimizar os riscos de novas tecnologias e químicos;

11. Aumentar a sustentabilidade e a resiliência urbanas;

12. A nova corrida pela terra: respondendo a novas pressões nacionais e internacionais;

13. O colapso potencial dos sistemas oceânicos requer governança oceânica integrada;

14. Mudando a cara do lixo: resolvendo problemas iminentes de escassez de minerais estratégicos e evitando o lixo eletrônico;

15. Interrompendo a degradação das águas em países em desenvolvimento;

16. Agir com base nos sinais de mudança climática na mudança da frequência de eventos extremos;

17. As consequências ambientais da desativação de reatores nucleares;

18. Novos conceitos para lidar com mudanças graduais e patamares iminentes (como esgotamento do ozônio estratosférico, chuva ácida, desmatamento tropical, perda de biodiversidade);

19. Ecossistemas costeiros: enfrentando pressões crescentes com governança adaptativa;

20. Lidando com a migração causada por novos aspectos da mudança ambiental;

21. Manejando os impactos da retração dos glaciares.

Meu comentário na CBN está aqui.

* Publicado originalmente no site Ecopolítica

Por Sergio Abranches, do Ecopolítica

Fonte: Envolverde


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