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Especialistas defendem marco regulatório para o REDD

Nesta semana, ganhou bastante destaque a notícia sobre a empresa irlandesa Celestial Green, que teria comprado por US$ 120 milhões todos os direitos sobre os créditos de carbono e mais “outros certificados e benefícios” a serem obtidos “com a biodiversidade” de 2,3 milhões de hectares de terras da comunidade indígena de Munduruku, no Pará.

Em resposta a esse caso, o presidente Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, concedeu uma coletiva de imprensa na qual explica que os contratos que comunidades indígenas assinaram com empresas estrangeiras não têm validade jurídica, já que o Brasil não possui regulamentação sobre o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD).

Um dos problemas resultantes de toda essa polêmica é que projetos sérios e comprometidos com os direitos das comunidades nativas acabam tendo sua imagem prejudicada. O próprio REDD, que já costuma sofrer muitas críticas, acaba ficando mais vulnerável.

“Um caso como o da Celestial Green presta um desserviço para todos os que lutam pela proteção da Amazônia e a melhoria da qualidade de vida das populações que lá vivem”, explicou Virgílio Viana, Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).

“Nós trabalhamos há anos com o REDD e nunca ouvimos falar da Celestial Green. O pior é que muito provavelmente existem outros casos semelhantes. As empresas se aproveitam da ausência de um marco regulatório para criar projetos sem certificados, não alinhados a nenhuma entidade conhecida”, reforçou Mariano Colini Cenamo, pesquisador sênior e Secretário Executivo Adjunto do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam).

Os Bons Projetos

Ninguém contesta que as empresas que buscam explorar os povos indígenas devem ser punidas, porém é muito perigoso generalizar e afirmar que o REDD em si é ruim.

A FAS e o Idesam são responsáveis por dois projetos respeitados internacionalmente e que são comprometidos com o desenvolvimento sustentável da Amazônia: o Juma e o Suruí.

O Juma foi o primeiro projeto de REDD do mundo certificado como “nível ouro” dentro do Padrão Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCBA) em 2008 e está localizado dentro da uma unidade de conservação do Estado do Amazonas.

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Juma foi criada em uma área de 589.612 hectares de floresta amazônica, localizada nas cercanias da Rodovia BR-319, em uma área de intensa pressão por desmatamento. A sua criação e implementação efetiva só foram possíveis com a perspectiva de efetivação de um mecanismo financeiro para geração de créditos de carbono oriundos do REDD.

Viana destaca as principais diferenças entre um projeto como o Juma e o apresentado pela Celestial Green. “O Projeto Juma não envolve comercialização de terras. O foco das atividades do projeto são as comunidades ribeirinhas viventes e usuárias da reserva: estes são os principais beneficiários dos recursos obtidos. Outro aspecto é a transparência no uso dos recursos – todos auditados pela PwC. Por fim, deve-se ressaltar o comprometimento da FAS, do Governo do Estado do Amazonas e dos parceiros envolvidos. Desde a concepção do projeto, em 2007, os parceiros e as comunidades diretamente envolvidas participaram ativamente da elaboração e da implementação das atividades de apoio à melhoria da qualidade de vida e redução do desmatamento – os principais objetivos do Projeto”.

Por sua vez, o projeto Suruí, que foi defendido pelo próprio presidente da Funai como um bom exemplo (veja o vídeo ao lado), representa uma ação de gestão ambiental para os povos indígenas Suruí da Terra Indígena Sete de Setembro – uma área de aproximadamente 248.000 hectares, abrangendo os estados de Rondônia (RO) e Mato Grosso (MT) e uma população de cerca de 1,3 mil habitantes.

Entre os benefícios adicionais dessa iniciativa estão a conservação da biodiversidade, a melhoria na qualidade de vida das comunidades, a manutenção de bacias hidrográficas, a recuperação de áreas degradadas e o reflorestamento e fortalecimento da cultura indígena.

“O povo Suruí, quando foi procurado para celebrar um contrato de crédito de carbono imediatamente fez o certo; procurou a FUNAI para que pudesse orientá-los primeiro o que é REDD, o que é crédito de carbono e como isso pode ser feito. Tivemos uma série de reuniões com eles e estamos orientando-os para que, quando no futuro, eventualmente seja regulamentado, eles possam assinar um contrato legal”, destacou Márcio Meira.

“Ficamos felizes que o presidente da Funai citou o Suruí como um projeto diferenciado. Trabalhamos sempre em parceria com as autoridades e esperamos estar influenciando positivamente o governo de Rondônia  a seguir um caminho de sustentabilidade”, completou Cenamo.

Regulamentação

O Secretário Executivo Adjunto do Idesam teme que a repercussão do caso da Celestial Green possa prejudicar os debates sobre um marco regulatório. “A regulamentação vem sendo trabalhada há dois anos em reuniões capitaneadas pelo Ministério do Meio Ambiente. Mas uma notícia como esta pode minar os avanços, pois não é todo mundo que entende que não se pode generalizar e julgar o REDD como algo ruim.”

Segundo Virgílio Viana, o Brasil é tido como um líder nas discussões ambientais no mundo. Entretanto, estamos perdendo muito tempo para aprovar uma legislação nacional sobre REDD+, sendo que existem dois projetos de lei, um no Senado e outro na Câmara.

“Este caso da Celestial Green torna mais claro o óbvio: devemos priorizar o debate e a promulgação de uma legislação de REDD+ no Brasil. Isto servirá para ordenar as diferentes iniciativas e reduzirá o risco de projetos equivocados. Uma legislação nacional é urgente e será boa não apenas para o Brasil. Poderá ser um marco importante para o debate internacional sobre este tema”, afirma.

Porém, Viana destaca os avanços recentes rumo ao marco regulatório. “Nos últimos três anos, vimos um grande salto conceitual e metodológico dos projetos de REDD. Hoje já não há entraves técnicos para a elaboração, implementação e monitoramento de projetos. Um exemplo disso foi a certificação da metodologia para desmatamento não-planejado elaborada pela FAS, Banco Mundial, Idesam e Carbon Decisions”, acrescentou.

Cenamo lembrou que ainda neste ano a presidente Dilma Rousseff deverá apresentar ao menos as diretrizes básicas sobre a regulamentação.

“Estamos otimistas que o marco regulatório não está distante. Talvez ainda não o tenhamos neste ano, mas algumas linhas gerais já deverão estar definidas. O importante é garantir sempre os direitos dos povos nativos”, concluiu Cenamo.

Imagem: Idesam

Autor: Fabiano Ávila   –   Fonte: Instituto CarbonoBrasil

Falta de regulamentação abre brechas para projetos que desrespeitam os direitos das comunidades locais e que acabam prejudicando a imagem de outras iniciativas sérias de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação

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