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Rio+20: o momento é potencial para a reflexão – Entrevista com Aron Belinky, especialista em Responsabilidade Social e Sustentabilidade Socioambiental.

“A Rio+20 deve ser vista não como um ponto de chegada, mas como um ponto de encontro e de (re)partida rumo a uma nova fase – mais efetiva e menos discursiva – na construção de uma sociedade sustentável. O seu grande valor é reunir num mesmo tempo, lugar e agenda as múltiplas frentes e debates que enfrenta a humanidade, incluindo tanto seus movimentos e organizações como bilhões de pessoas que, simplesmente, se sentem alijados dos processos que decidem os rumos e feitios em que se desenrolam suas vidas individuais e familiares”. A reflexão é do consultor e palestrante internacional Aron Belinky. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, ele considera que, com a Rio+20, “estamos buscando novas formas de governança, de representatividade dos povos junto de seus governos e entre os vários governos e seus povos, como base para uma sociedade que garanta a efetivação dos direitos de todos e uma boa qualidade de vida, dentro dos limites de um só planeta”.

Palestrante internacional sobre sustentabilidade, consumo e meio ambiente, Aron Belinky é consultor, especialista em Responsabilidade Social e Sustentabilidade Socioambiental, e tem formação em Geografia pela Universidade de São Paulo e Administração Pública pela FGV-SP. Sua página pessoal é http://aronbelinky.blogspot.com/.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são suas perspectivas para a Rio+20?

Aron Belinky – A Rio+20 será um fórum privilegiado para debater questões relacionadas ao novo modelo que a sociedade mundial precisa adotar para garantir uma vida digna e plena a todos, hoje e no futuro, em equilíbrio com o ambiente natural. Esse modelo precisa ter como centro a efetivação dos direitos inerentes a todos os seres humanos, e requer o respeito aos limites planetários, o uso mais eficiente das riquezas finitas e a distribuição mais equitativa dos bens e serviços, com eliminação dos desperdícios e dos extremos de riqueza e pobreza. É importante lembrar que a Rio+20 é um conjunto de eventos, deflagrado pela Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, mas não limitado a esse processo oficial. A sociedade civil também realizará vários eventos e iniciativas de grande importância, como a Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental.

A Rio+20 deve ser vista não como um ponto de chegada, mas como um ponto de encontro e de (re)partida rumo a uma nova fase – mais efetiva e menos discursiva – na construção de uma sociedade sustentável. O seu grande valor é reunir num mesmo tempo, lugar e agenda as múltiplas frentes e debates que enfrenta a humanidade, incluindo tanto seus movimentos e organizações como os bilhões de pessoas que, simplesmente, se sentem alijados dos processos que decidem os rumos e feitios em que se desenrolam suas vidas individuais e familiares.

A Rio+20 foi convocada pela ONU como uma reunião de caráter político, cujo produto final é uma declaração. Não se pode esperar dela, portanto, grandes tratados ou soluções definitivas. Mas podemos, sim, dar início a processos capazes de desencadear transformações que, em prazo relativamente curto, são capazes de fazer a diferença, contribuindo decisivamente para o futuro que desejamos. Identificar e nutrir as sementes desses processos é uma prioridade estratégica, que a sociedade brasileira e mundial precisa se colocar.

IHU On-Line – Qual deve ser a posição brasileira para a Rio+20?

Aron Belinky – É difícil falar em uma “posição brasileira”, visto que nosso país – como todos os outros – abriga diferentes grupos, com diferentes perspectivas e possibilidades. O governo brasileiro manifestou sua posição oficial por meio de um documento entregue à organização da Rio+20 em 1º de novembro de 2011. Esse documento traz alguns posicionamentos e propostas interessantes, que podem ser bons pontos de partida para os resultados que desejamos. Mas traz também pontos de baixa ambição, ou mesmo de retrocesso, de favorecimento do desenvolvimentismo à moda antiga. Esperamos que ao longo do processo o governo brasileiro refine seu posicionamento, adotando posturas avançadas e mais coerentes com as intenções que declara e com seus compromissos com o desenvolvimento sustentável.

Há, por outro lado, o posicionamento da sociedade civil, em seus diversos segmentos, que poderá trazer resultados muito relevantes. Há uma grande quantidade de temas e propostas em pauta, que ao longo do processo preparatório irão sendo refinados, ficando cada vez mais claras quais as propostas mais relevantes, tanto em termos de potencial transformador como em termos de mobilização social.

Algumas propostas

Neste sentido, é possível já identificar alguns pontos principais, que já estão na pauta oficial da Rio+20, na qual podem ser tomadas decisões políticas para deflagar os processos necessários à sua efetivação. São também propostas que já despertam atenção de importantes setores da sociedade nacional e global, e que tem o potencial para se converterem em focos de grandes campanhas e mobilizações. São elas:

1 – Taxa sobre transações no mercado financeiro internacional, com um sistema de governança democrático para sua gestão, e aplicação prioritária para um programa de proteção socioambiental global e outras prioridades do desenvolvimento sustentável, como os investimentos ligados ao combate ao aquecimento global, ao financiamento do desenvolvimento tecnológico e da adaptação às mudanças climáticas, etc.

2 – Painel técnico-científico global sobre desenvolvimento sustentável (aproximadamente nos moldes do IPCC): um órgão permanente, amplo, que teria como atribuições iniciais orientar e apoiar: (a) os processos de desenvolvimento e adoção global de métricas econômicas além do PIB e (b) o estabelecimento e implementação de Metas do Desenvolvimento Sustentável. É fundamental que essas metas reflitam e fortaleçam os compromissos já assumidos no processo multilateral (em temas como clima, biodiversidade, equidade, etc.). Devem também ser apoiadas em indicadores confiáveis e com mecanismos fortes e transparentes para cobrança de seu cumprimento.

3 – Início de processos de negociação para três novas convenções internacionais: (a) Direito à Informação Ambiental e acesso à Justiça (sobre o princípio 10 da Declaração do Rio); (b) Responsabilidade Social e Accountability de empresas multinacionais (aproveitando as bases lançadas por iniciativas como a ISO26000 e a GRI, entre outras); (c) Aplicação do Princípio da Precaução (estabelecendo diretrizes sobre áreas como bioengenharia, nanotecnologia, geoengenharia, tecnologia da informação e comunicação, etc).

4 – Produção e Consumo Sustentáveis: diretrizes e propostas de ação com foco em “empregos verdes” (análise regional/setorial sobre empregos que serão perdidos e estratégias para criação e ocupação de empregos e meios de vida compatíveis com o desenvolvimento sustentável); “compras públicas sustentáveis” (meios para utilização do poder indutor do Estado como comprador e investidor, em prol de produtos e serviços favoráveis ao desenvolvimento sustentável) e políticas/instrumentos econômicos para eliminação das externalidades (mensuração integral dos custos dos produtos e serviços, em todo seu ciclo de vida).

5 – Maior e mais efetiva participação da sociedade na governança global, com a criação de novas formas de presença nos processos multilaterais: os desafios colocados pela Rio+20 deixam clara a necessidade de conexão efetiva do das Nações Unidas para além dos Estados Nacionais, por meio da criação de mecanismos para interlocução real com organizações da sociedade civil e com governos locais/estaduais. O processo de realização da Rio+20 deve ser um primeiro passo nessa direção, gerando e promovendo exemplos.

IHU On-Line – Quais os principais anseios da sociedade que devem ser debatidos na Conferência?

Aron Belinky – Esses anseios estão implícitos nos pontos acima. Resumidamente, eu diria que estamos buscando novas formas de governança, de representatividade dos povos junto a seus governos e entre os vários governos e seus povos, como base para uma sociedade que garanta a efetivação dos direitos de todos e uma boa qualidade de vida, dentro dos limites de um só planeta.

IHU On-Line – Como deve ser abordada a Amazônia na Rio+20?

Aron Belinky – A Amazônia é uma região central em todos os debates ambientais e também com grandes implicações políticas e sociais. A Amazônia deve surgir com destaque nos debates, como expressão concreta e exemplar dos desafios, dos conflitos e das possibilidades trazidas pelos novos paradigmas que estamos buscando.

IHU On-Line – O que falta para garantir o sucesso da Rio+20? Uma governança internacional, que articule as decisões sobre o clima em todo o mundo?

Aron Belinky – Primeiro é preciso esclarecer que a Rio+20 não é a convenção do clima: este é um assunto importante, mas não se pode dizer que é a chave do sucesso ou do fracasso da Rio+20. O sucesso da Rio+20 será dado pela sua capacidade de explicitar os dilemas essenciais para que avancemos de fato na integração do desenvolvimento sustentável às decisões cotidianas e à governança, em todos os níveis. Soluções existem; a questão agora é conseguir superar os entraves para que elas sejam colocadas em prática.

IHU On-Line – Como relacionar a economia verde com o desenvolvimento sustentável?

Aron Belinky – A economia verde é uma expressão nova e que tem gerado muita polêmica. Aprofundar tal debate neste espaço não é viável, mas é importante colocarmos aqui pelo menos dois grandes aspectos. Primeiro, que já existe um grande consenso de que a economia verde (o que quer que ela seja) deve ser vista não como um fim em si mesma, mas como um instrumento para colocar em prática o desenvolvimento sustentável. Segundo, que a discussão sobre economia verde não deve se perder na discussão teórica, de um conceito pouco definido. Pelo contrário, deve focar-se nas propostas e práticas concretas, sempre com muito cuidado para evitar que a necessária utilização de instrumentos econômicos para efetivação do desenvolvimento sustentável não dê margem a distorções como a mercantilização de bens comuns ou a “maquiagem verde”, entre outros.

IHU On-Line – A expressão “desenvolvimento sustentável” não lhe parece contraditória em termos, ou seja, todo o desenvolvimento não seria, de certa forma, não sustentável?

Aron Belinky – Não vejo contradição intrínseca. O desenvolvimento pode e deve prever formas de bem-estar e ter cuidados importantes para que ele não seja predatório, ou, melhor explicando, que traga benefícios somente para quem tem o capital a investir. Desenvolvimento sustentável significa respeitar os limites do planeta e os direitos dos povos. Significa também adequar modos de produção e organização, capacitando as pessoas para novos meios de vida, melhorando a qualidade de vida de forma sustentável, permitindo novas oportunidades e garantindo condições de equidade para todos independentemente de sexo, raça, credo…

IHU On-Line – Como o senhor avalia o momento ou o contexto social da realização da Rio+20?

Aron Belinky – Estamos no meio de uma convergência de crises, em nível global, tanto na área ambiental como nas áreas econômica, financeira e política. Isso traz dificuldades em termos de recursos e de disputa por atenção. Mas tem também um lado muito positivo, visto que é evidente e inegável a inviabilidade do modelo atual de desenvolvimento e governança. A Rio+20 tem o potencial de colocar-se como momento privilegiado de reflexão, focando nas questões estruturais e de longo prazo, com uma visão realmente estratégica. Cabe a nós trabalharmos para que esse potencial se torne realidade.

Fonte: IHU On-line/EcoAgência

Rio+20: o momento é potencial para a reflexão
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