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Os bagres de Lula vão sobreviver às usinas do madeira

Pesquisa com duas espécies de grandes bagres da Amazônia conclui que os peixes constituem uma só população e podem cruzar entre si,e não somente com os que nascem em um mesmo rio.

Foto: Patricia Patriota

Uma boa notícia para os ambientalistas, desenvolvimentistas e o futuro do País, tanto do ponto de vista da preservação das espécies quanto da melhoria da infraestrutura e geração de eletricidade. As hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no Rio Madeira, não vão exterminar os peixes amazônicos. E nem os peixes vão parar a produção de energia das usinas – 6.600 megawatts, com início da operação no ano que vem.

 DOURADA

Pesquisa em genética com duas espécies de grandes bagres da Amazônia – dourada (brachyplatystoma rousseauxii) e piramutaba (brachyplatystoma vailantii) – feita pela cientista Jacqueline da Silva Batista, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), confirma não somente a hipótese migratória desses dois peixes, mas também que eles podem ser considerados como uma única população para fins de manejo e conservação. Significa que cruzam entre si e não somente entre os que nascem em determinado rio.

Jacqueline coletou e estudou dois tipos de DNA (mitocondrial e microssatélites) de 700 indivíduos de dourada em 33 localidades de 12 macrorregiões da Amazônia brasileira e três da Amazônia peruana. Foi colhido material das douradas no eixo Solimões/Amazonas e nos Rios Madeira, Purus, Japurá, Içá, Juruá, Tapajós e Branco, no lado brasileiro, e nos rios Amazonas, em Iquitos, Madre de Dios, em Puerto Maldonado, e Ucayali, em Pucallpa, do lado peruano.

Também foi coletado o DNA de cerca de 300 piramutabas. O material foi conservado em álcool e depois levado à sede do Inpa, em Manaus, onde Jacqueline verificou que em toda a Amazônia brasileira e peruana há uma única população de douradas – o mesmo vale para as piramutabas. Verificou também que a maior concentração da variabilidade genética da dourada está no Estuário do Amazonas – Belém, Macapá e Ilha do Marajó. Os estudos sobre douradas e piramutabas completam 12 anos em 2011.

Jacqueline fez seus estudos junto com Kyara Formiga Aquino, Izeni Pires Farias (coorientadora) e José Alves Gomes, seu orientador. Os trabalhos foram financiados pelo CNPq, Fundação de Apoio à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), Pro-Várzea/Ibama, Procad/Capes, Inpa/MCT e Instituto de Investigação da Amazônia Peruana (IIap).      

As douradas e piramutabas, ao lado do babão, são a população principal dos grandes bagres da Amazônia – existem ainda centenas de outros, menores e não tão importantes para pesca. No Madeira, por exemplo, estão concentrados de 25% a 30% de todas as douradas pescadas na Amazônia. O Madeira é um rio de águas barrentas, que carregam sedimentos que descem dos Andes. Na fase adulta, a dourada chega até a 1,92 metro. É predador de espécies menores. Segundo Jacqueline, a piramutaba e o babão têm hábitos semelhantes à dourada. Mas não houve pesquisas com o babão.

Barthem e Goulding. Antes dos estudos feitos por Jacqueline e uma equipe de outros quatro cientistas com dois dos grandes bagres amazônicos, o estudo mais conhecido sobre douradas e piramutabas era a teoria de Ronaldo Barthem e Michael Goulding (Os bagres balizadores: ecologia, migração e conservação de peixes amazônicos, 1977, Editora CNPq). Por essa teoria, algumas espécies de bagres fazem extensas migrações para completar seu ciclo de vida, englobando o território de pelo menos cinco países amazônicos.

Ainda conforme os estudos de Barthem e Goulding, as formas juvenis dos grandes bagres se desenvolveriam no Estuário Amazônico, onde ficariam em torno de dois anos até atingir cerca de 40 centímetros. A partir daí, iniciariam sua migração de mais de 3 mil quilômetros rumo às cabeceiras dos rios que nascem na Cordilheira dos Andes, já na Bolívia e no Peru, onde desovariam. O estudo de Jacqueline confirma essa teoria.

Mas avança um pouco mais. Nos estudos com douradas e piramutabas, eles concluíram – com base nos exames com dois tipos de DNA – que os bagres não praticam o “roaming”, quando, já na fase adulta, voltam ao local onde nasceram para desovar.

O “roaming” mais conhecido é o do salmão. Os do Atlântico voltam à água doce para reproduzir, quase sempre ao mesmo rio em que nasceram. Esse incrível sentido de direção dos salmões ainda não tem uma resposta pronta dos cientistas.

“Com os resultados obtidos no doutorado em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva, não foi possível confirmar esse comportamento (de roaming). A dourada e até a piramutaba podem escolher outros locais para reproduzir”, afirmou Jacqueline. A dourada da Amazônia brasileira e peruana reproduzem entre si. O mesmo vale para a piramutaba.

Levando-se em conta a teoria de Barthem e Goulding, predominante, e o fato de o Rio Madeira concentrar a maior população de douradas, os grandes empreendimentos no rio passaram a ser atacados por ONGs ambientalistas e até por setores do governo em 2007, gerando uma crise no governo do ex-presidente Lula.

Ao negar a licença prévia para as duas usinas, em abril de 2007, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) gastou 10 páginas de seu parecer para dizer que as obras ameaçavam os peixes. O relatório afirmou que as duas espécies maiores – dourada e piramutaba – empreendem migrações macrorregionais, estando entre as maiores conhecidas para peixes de água doce no mundo.

Ainda segundo o parecer de Barthem e Goulding, as duas espécies precisariam de diferentes áreas da Bacia Amazônica para completar seu ciclo. Ou seja, as usinas do Madeira seriam mortais. O argumento irritou o ex-presidente e ele não só mandou a demitir parte da cúpula do Ministério do Meio Ambiente na época, como dividiu o Ibama em dois, criando o Instituto Chico Mendes. “Jogaram o bagre no meu colo”, reclamou Lula. Logo ele, que sempre se gabou de pescar jaú, um bagre do Sudeste.

Premido pela necessidade de encontrar um jeito de gerar mais energia, sob risco de o País ter um apagão maior do que o de 2001/2002, e bravo como um pescador que deixou escapulir o jaú, Lula determinou novos estudos. E tanto pressionou o Ibama que o instituto recuou e deu as licenças prévias. Posteriormente, veio a autorização para o início das obras e as duas usinas começaram a ser construídas – uma em Porto Velho, outra a 130 km, ambas no Madeira. Devem começar a gerar energia a partir de 2012, num total de 6.600 megawatt.

Santo Antônio. No momento, Jacqueline Batista, Kyara Formiga, José Alves Gomes, do Inpa – seus companheiros nos estudos com a dourada e a piramutaba -, e Cláudio Oliveira, da Unesp/Botucatu, estão fazendo um estudo para o consórcio que constrói Santo Antonio. O objetivo é estimar a variabilidade genética e saber se existe alguma diferenciação entre a população de dourada, piramutaba e babão que vivem abaixo e acima da Cachoeira de Teotônio, antes e depois da construção da barragem.

Resultados preliminares divulgados no dia 13, em Porto Velho, mostraram que o babão tende a apresentar o mesmo resultado da dourada e piramutaba. Estudos em corredeiras fortes, como as de Puerto Maldonado, no Peru, e de Riberalta, na Bolívia, demonstraram que os peixes passaram de um lado para o outro. Desse modo, é provável que a barragem de Santo Antonio não seja um obstáculo tão forte para os bagres.

A pesquisadora disse que a posição das usinas do Madeira causará impacto na vida dos peixes. “É inevitável. Se há uma construção dessa magnitude, há impactos. O que podemos fazer é construir alternativas para que o impacto seja o menor possível. Por isso os estudos são importantes.”

Fonte: João Domingos _ O Estado de São Paulo


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